Justiça suspende reestruturação fundiária do Incra em assentamento no Pará

Decisão aponta falta de transparência e riscos de criação de lotes inviáveis economicamente.

Publicado em 9 de dezembro de 2025 às 15:10

Justiça suspende reestruturação fundiária do Incra em assentamento no Pará.
Justiça suspende reestruturação fundiária do Incra em assentamento no Pará. Crédito: Comunicação/MPF

A Justiça Federal concedeu, na última quinta-feira (4), uma medida urgente solicitada pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e o chefe da unidade da autarquia em Altamira–PA. A decisão determina a suspensão imediata de qualquer ato administrativo voltado ao redimensionamento de lotes ou à inclusão de novos beneficiários no Projeto de Assentamento (PA) Lajes, além de obrigar o Incra e o chefe da unidade a prestarem informações sonegadas ao órgão ministerial. 

A ação civil pública ajuizada pelo MPF aponta indícios de uma reestruturação fundiária que pretende quadruplicar a capacidade de ocupação do assentamento, elevando o número de famílias de 570 para aproximadamente 2 mil, possivelmente sem os devidos estudos técnicos ou transparência.

Ameaça de "minifúndios" e "chacreamento" - Segundo a documentação apresentada pelo MPF, o PA Lajes hoje possui uma área total de 47.479,66 hectares, com capacidade ocupacional de até 570 famílias, o que resulta em lotes médios de até 83 hectares brutos. O novo desenho reduziria as parcelas para cerca de 23,47 hectares brutos.

O MPF alerta que, em um cenário extremo, descontadas as áreas de reserva legal, preservação permanente, vias e equipamentos públicos, a área produtiva restaria próxima a 4,6 hectares por família. O MPF argumenta que tal fragmentação, se confirmada, pode violar o Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64), ante o risco de criar "minifúndios" economicamente inviáveis, desvirtuando a finalidade da reforma agrária e transformando o assentamento em um loteamento para lazer ou especulação imobiliária — prática conhecida como "chacreamento".

Além disso, a ação destaca a falta de acesso ao Estudo de Capacidade de Geração de Renda (ECGR) atualizado, documento exigido pelas normas internas do próprio Incra para validar alterações de capacidade em assentamentos.

Provas e falta de transparência

A decisão judicial baseou-se em evidências anexadas pelo MPF, incluindo gravações de áudio e vídeo de reuniões realizadas no assentamento. Nesses registros, o gestor local do Incra admite abertamente a intenção de elevar a capacidade para 2 mil famílias e sugere uma "regularização em massa", o que, segundo o MPF, apresenta riscos à observância dos critérios legais de elegibilidade para a reforma agrária.

Um ponto central para a concessão da liminar foi a recusa do Incra em responder às requisições do MPF formuladas por ofício. O MPF buscava acesso ao processo administrativo da reestruturação e aos mapas atualizados, mas a autarquia manteve-se silente.

Decisão judicial

Na decisão, a Justiça classificou a recusa do Incra em fornecer informações como uma "extravagância ímpar" e "inadmissível", ressaltando que o poder de requisição do MPF é garantido pela Constituição. A Justiça Federal destacou que qualquer modificação nos parâmetros de ocupação sob sigilo oposto ao órgão ministerial fere a legalidade.

A liminar impõe as seguintes determinações:

  • Prestação de informações: o Incra e seu gestor em Altamira têm o prazo de cinco dias úteis para responder ao ofício do MPF, sob pena de multa diária de R$ 1 mil para a autarquia e R$ 500 para o chefe da unidade local.
  • Suspensão de atos: os réus devem se abster de qualquer ato que altere a capacidade do PA Lajes ou inclua novos beneficiários até nova deliberação judicial. O descumprimento acarretará multa de R$ 100 mil por ato, com possibilidade de afastamento preventivo dos servidores envolvidos.

Contexto de inércia institucional

A ação do MPF insere o caso do PA Lajes em um cenário mais amplo de "crise estrutural" e "inércia institucional" do Incra no Oeste do Pará. O órgão cita a redução de pelo menos 70% no quadro de pessoal desde 2008, restando apenas 59 servidores para gerir quase 15 milhões de hectares e 250 áreas, entre assentamentos, territórios quilombolas e unidades de conservação com participação do Incra, considerando o último levantamento realizado.

Documentos do processo mencionam precedentes judiciais na mesma região, como os casos do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Virola Jatobá e do PA Itatá, onde a autarquia já havia sido penalizada por descumprimento de ordens judiciais e abandono processual.

No caso vizinho do PA Itatá, surgiram denúncias de "venda de prioridade" na fila da reforma agrária condicionada ao pagamento privado de georreferenciamento, modus operandi que o MPF teme estar sendo replicado no PA Lajes.

Foi determinada a citação dos réus para uma audiência de conciliação, com a presença de um representante da Corregedoria do Incra.