Publicado em 5 de agosto de 2025 às 18:40
Há quem tente evitar qualquer traço de monotonia, como se ficar sem fazer nada fosse um problema a ser eliminado. Mas o tédio pode ser, na verdade, um convite à escuta interior. Em um mundo que corre, parar pode ser mais transformador do que seguir no automático. >
Para o especialista André Leão, mestre em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP) e estudioso dos mecanismos cerebrais da dor e do comportamento, o tédio pode ser uma espécie de antídoto moderno, especialmente em um mundo hiperconectado, acelerado e repleto de distrações. >
“Vivemos uma cultura da produtividade a qualquer custo, em que todo silêncio é visto como desperdício de tempo. Mas o cérebro precisa dessas pausas para se reorganizar, criar, refletir e até se proteger do estresse”, afirma. >
Ignorado por muitos, o tédio oferece uma oportunidade rara: reorganizar pensamentos, perceber emoções sutis e sair do piloto automático. Em vez de fuga, pode representar reconexão. Veja 7 vezes em que ele faz bem! >
Segundo André Leão, o tédio funciona como uma pausa natural entre dois estímulos intensos. “Ele permite que o cérebro ative a chamada Default Mode Network , uma rede que entra em ação quando não estamos focados em nada específico, mas que favorece a reorganização interna”, explica. É nesse estado que memórias se consolidam, emoções são processadas e ideias ganham forma. >
Sabe aquele momento em que você se pega olhando para o teto e, de repente, surge uma ideia brilhante? Isso não é acaso. “A criatividade precisa de silêncio, de espaço mental. É no tédio que o cérebro conecta memórias e experiências de forma não linear, gerando soluções inesperadas”, diz o especialista. >
O tédio pode ser um convite ao autoconhecimento. Ao se desconectar dos estímulos externos, ganhamos espaço para olhar para dentro e identificar emoções, padrões de comportamento e desejos que passam despercebidos na correria. “É como uma escuta interna, uma pausa restauradora que ajuda a regular o sistema nervoso”, afirma André Leão. >
Na infância, o tédio é essencial para o desenvolvimento da criatividade e da autorregulação. “Infelizmente, muitas crianças hoje vivem agendas cheias e têm pouco espaço para o ócio . Isso compromete o amadurecimento da imaginação e da autonomia emocional”, alerta o especialista. Deixar os pequenos se entediarem, com segurança, é dar a eles a chance de inventar e descobrir quem são. >
Em um mundo onde tudo é imediato, o tédio nos ensina a esperar. “Ele nos treina para lidar com a ausência de recompensa instantânea, o que é fundamental para o amadurecimento emocional e cognitivo”, diz André Leão. Ignorar isso pode levar à impulsividade, à baixa resiliência e até a sintomas de ansiedade. >
Para quem vive em modo multitarefa, agendar momentos de ócio pode ser um ato de autocuidado. “Caminhar sem celular, comer sem telas, observar o ambiente em silêncio: tudo isso desacelera o cérebro e permite uma pausa restauradora”, orienta. E não, isso não é perda de tempo. É uma forma de manter a mente saudável. >
O tédio bem-vivido pode prevenir o burnout . “Ao conviver com o vazio, damos ao cérebro uma chance de repousar em outro nível. Isso regula o humor, melhora o sono e reduz o estresse crônico”, afirma o especialista. Em vez de resistir ao tédio, a proposta é abraçá-lo com consciência. >
Apesar de seus benefícios, o tédio também pode sinalizar problemas. “Se ele vem acompanhado de apatia, perda de sentido ou tristeza constante, pode indicar um quadro depressivo ou desequilíbrio emocional”, alerta André Leão. Nesses casos, o ideal é procurar ajuda especializada. >
Tédio não é preguiça. Nem falta de estímulo. É, muitas vezes, uma forma de reconexão interna, um momento de escuta silenciosa que pode abrir espaço para criatividade, cura emocional e equilíbrio. Em vez de fugir do tédio, que tal dar a ele uma chance? >
Por Sarah Monteiro >