Publicado em 12 de maio de 2025 às 21:23
A cada dia, dez mulheres com diferentes trajetórias de vida são assassinadas no Brasil. Foram 3.903 ocorrências em 2023, o maior patamar desde 2018. Isso é o que aponta o Atlas da Violência, relatório produzido anualmente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.>
A estimativa é que um terço dos casos seriam feminicídios. Conforme os dados, divulgados nesta segunda-feira, 12, para cada 100 mil habitantes, houve 3,5 casos de homicídios de mulheres no período mais recente para o qual há dados.>
"É preocupante", afirma Manoela Miklos, pesquisadora sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Segundo ela, não há uma única explicação para o aumento - a hipótese de que, para além dos feminicídios, haja mais mulheres engajadas em dinâmicas em condutas criminosas, por exemplo, não é descartada.>
A pesquisadora ressalta que, independentemente da leitura, o cenário cobra a adoção urgente de políticas públicas focadas em diminuir a violência contra a mulher.>
Em um dos casos recentes, Jane Domdoca, a influenciadora de 42 anos baleada e morta na região da 25 de Março, no centro de São Paulo. Ela foi assassinada pelo ex-marido, preso em flagrante por feminicídio.>
"O mais interessante sobre essas taxas é comparar: quando a gente olha para as taxas de homicídios em geral, a gente percebe um recuo de casos. Quando a gente olha para a taxa de homicídios de mulheres, não", afirma. "A gente precisa melhorar no desenho, na implementação de serviços públicos para mulheres vítimas de violência.">
O Brasil teve queda de 2,3% na taxa de homicídios, também segundo o Atlas. O índice ficou em 21,2, menor patamar pelo menos desde 2013, ano que marca o início da série histórica.>
No caso dos homicídios de modo geral, estudos e especialistas que analisam os dados de violência no País têm apontado que facções criminosas, e não políticas públicas, têm sido a principal causa da variação das taxas de homicídio no Brasil na última década, como mostrou o Estadão.>
A base das organizações criminosas é composta majoritariamente por homens, mas há também a presença de mulheres na criminalidade de rua. Recentemente, por exemplo, a Polícia Civil de São Paulo prendeu a "Mainha do Crime", apontada como financiadora de gangues que assaltam com motos na capital.>
Metodologia>
O relatório do Atlas, um dos mais completos da área, busca retratar a violência no Brasil principalmente a partir dos dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde.>
Esse modo de análise permite ter uma visão mais ampla sobre a violência no País, "desviando" de possíveis subnotificações. Em vez de lançar luz sobre feminicídios registrados, por exemplo, o relatório foca em homicídios de mulheres.>
"A lei (do feminicídio) começa em 2015 como uma categoria penal. No entanto, o feminicídio existe desde que o mundo é mundo. Então a gente queria achar uma proxy, uma medida indireta do feminicídio no Brasil mesmo antes da criação da lei", afirma Daniel Cerqueira, técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea.>
A opção foi usar os homicídios de mulher que ocorrem dentro de casa como feminicídio. "As evidências nacionais e internacionais mostram que, quando uma pessoa é assassinada dentro de casa, em mais de 90% das vezes o perpetrador é íntimo da vítima: marido, ex-cônjuge ou familiar muito próximo", explica o pesquisador.>
Conforme o Atlas, de acordo com os registros do SIM, em 2023, do total de homicídios registrados de mulheres, 35% aconteceram na residência. "Considerando essa proporção, 1.370 dos 3.903 homicídios registrados no ano teriam acontecido nesse local, sendo lidos, portanto, como feminicídio", aponta o relatório.>
Polarização e valores do patriarcado>
Segundo Cerqueira, é difícil cravar qual a razão de um número tão expressivo. "O que a gente pode falar, de muitos anos, é que há o recrudescimento da polarização e radicalização política, que muitas vezes traz à tona valores culturais que reforçam a ideia e os valores do patriarcado como meio de resolver problemas", diz.>
O pesquisador explica que, para além dos números levantados no Atlas, há um aumento "grande nos feminicídios, segundo os registros policiais", e agora as estatísticas chegam perto da estimativa de feminicídio apresentada no relatório.>
"Isso acontece porque há um processo de aprendizagem dentro das autoridades policiais que, muitas vezes, pegavam aquela morte da mulher e classificavam apenas como homicídio", diz o pesquisador "Hoje a gente vê os dados policiais andando mais juntos com os dados da saúde.">