Publicado em 18 de novembro de 2025 às 13:17
A declaração do chanceler alemão Friedrich Merz sobre sua passagem por Belém, durante a abertura da COP30, continua rendendo desdobramentos no debate público brasileiro. Em coluna publicada pelo portal Metrópoles, o jornalista Mario Sabino saiu em defesa do político alemão em parte do argumento e usou a polêmica para fazer um retrato duro das condições de vida na capital paraense e, por extensão, no país.>
Merz, ao falar para empresários na Alemanha, contou que perguntou a jornalistas que o acompanharam ao Brasil quantos gostariam de permanecer aqui. Ninguém levantou a mão. Em seguida, disse que todos ficaram aliviados ao voltar para casa, “especialmente daquele lugar onde estávamos”, em referência a Belém. A fala foi interpretada por muitos brasileiros como desrespeitosa e xenófoba, e o chanceler chegou a ser chamado de “nazista” nas redes.>
Sabino reconhece que o comentário de um chefe de governo sobre um país que o recebeu é “no mínimo indelicado”, mas sustenta que a crítica encontra eco na realidade local. Na visão dele, Belém expôs ao mundo um quadro que não é exceção, mas síntese de problemas estruturais brasileiros.>
O colunista lembra que Belém é apontada pelo IBGE como a capital mais favelizada do país, com quase 60% da população vivendo em áreas precárias, muitas vezes sem acesso adequado a saneamento. Para ele, esse cenário torna impossível “maquiar” a miséria quando a cidade vira vitrine de um evento global como a COP30.>
A organização da conferência também é alvo de críticas. Sabino cita a falta de infraestrutura hoteleira e o uso de dois navios de cruzeiro ancorados no porto para acomodar parte dos participantes como símbolo de improviso. Nesse ponto, entram embarcações como o MSC Seaview e o Costa Diadema — navios de grande porte, movidos a sistemas diesel-elétricos, que consomem combustíveis fósseis (como óleo combustível pesado e diesel marítimo) e geram impacto ambiental relevante, inclusive em termos de emissões atmosféricas.>
Segundo o colunista, há uma contradição em realizar uma conferência climática em uma cidade com enormes desafios de infraestrutura básica e ainda recorrer a “transatlânticos poluidores” para suprir falhas de planejamento, em um evento que deveria simbolizar compromisso com a sustentabilidade.>
Sabino afirma que até a própria ONU teria cobrado melhorias na COP30 em Belém, reclamando de problemas como segurança, refrigeração das salas e banheiros sem água, e compara o episódio ao vexame da piscina verde nas Olimpíadas do Rio de 2016. Ele usa esses episódios como metáfora de uma “incapacidade de organização” que, na leitura dele, estaria ligada a décadas de má gestão e corrupção.>
A coluna também mira diretamente a classe política. Em vez de concentrar a indignação na fala do chanceler, Sabino defende que os brasileiros deveriam “tomar satisfação” com aqueles que governam o país e as cidades, e que “nos roubam e riem da nossa cara”. Em tom provocativo, critica ainda quem acusa esse tipo de análise de “complexo de vira-lata” e devolve a imagem ao cotidiano de favelas “imundas, violentas, desumanas”.>
A repercussão do texto se soma ao debate já acalorado em torno da COP30: de um lado, a importância histórica de Belém sediar uma conferência global sobre clima na Amazônia; de outro, a exposição de problemas antigos de infraestrutura, desigualdade e planejamento urbano — agora sob holofotes internacionais, em um momento em que até as soluções de hospedagem, como o uso de grandes cruzeiros movidos a combustíveis fósseis, entram no centro da discussão sobre coerência ambiental.>