Publicado em 2 de novembro de 2025 às 08:59
Neste domingo (2), Dia de Finados (2), voltamos no tempo e trazemos à memória aqueles que tanto amamos. Difícil de acreditar, mas é a trajetória inexorável da vida. Para algumas pessoas, no entanto, fica mais difícil aceitar este destino diante da forma pela qual a vida de seus entes queridos foi ceifada. Caso contrário, ainda poderiam estar em sua companhia. É o caso dos parentes de vítimas de homicídios, erros médicos e outras situações cujo único sentido da vida para quem ficou é a busca por justiça, mesmo que tardia.>
E esta tem sido a missão do Movimento pela Vida (Movida), criado em 2005 por Iranilde Russo, mãe de Gustavo Maia Russo, morto por engano por policiais militares durante um assalto na avenida João Paulo II, quando foi feito refém por bandidos. O número de casos semelhantes, que levaram à morte de pessoas inocentes e indefesas, tem sido tão grande que o movimento cresceu e hoje representa a voz de quem busca a punição dos culpados por estas mortes.>
Por essa razão, mais uma vez neste Dia de Finados, como faz todos os anos, Iranilde vai visitar o túmulo do filho, no cemitério Recanto da Saudade, quadra 24, levando cartazes de protesto contra estas injustiças, tornando público as mazelas e o sofrimento destas famílias, como a do jovem de 23 anos Bernardo Almeida Cavalleiro de Macedo, que estava cursando o último semestre do curso de Tecnologia da Informação e iria colar grau no final de 2024, mas teve a vida interrompida por suposto erro médico, que está sendo investigado pelo Conselho Regional de Medicina (CRM).>
O pai do rapaz, o advogado Roberto Cavalleiro de Macedo, lembra que o filho gostava muito de informática, estava fazendo estágio no Instituto Médico Legal (IML) Renato Chaves e sonhava em fazer pós-graduação no exterior. “Era um menino que nunca deu trabalho com álcool ou drogas, ajudava a mãe no apoio à irmã especial, dizendo que iria estar sempre ao lado dela”, recorda.>
O pai conta que Bernardo havia sido internado apresentando apenas um quadro de tosse. No dia 29 de julho de 2023, ele foi submetido a uma drenagem pulmonar num hospital particular pelo médico Augusto César Sales e que, após o procedimento, o tio do rapaz, o também médico José Acurcio Macedo, indagou a Augusto Sales se seria necessário chamar um pneumologista ou infectologista, mas ele respondeu que não.>
Já no dia 2 de agosto, foi necessária uma segunda punção e, mesmo com pedido da família para que ele continuasse sendo atendido onde estava, o médico achou melhor transferi-lo para outro hospital particular, afirmando que seria necessário fazer uma pleuroscopia, com anestesia peridural alta com sedação, sem anestesia geral.>
Curioso é que o próprio Hospital, segundo Roberto Cavalleiro de Macedo, havia solicitado autorização do médico para o risco cirúrgico e a visita pré anestésica, mas o médico teria ignorado a mensagem do hospital e também descartou a consulta de um cardiologista ou anestesista, não solicitando nenhum exame. “Ele subiu com a mãe para o quarto ainda pela manhã, onde aguardaria para ser levado para o centro cirúrgico. Foi a última vez que vi meu filho com vida”, desespera-se.>
O pai elenca várias irregularidades que teriam ocorrido e que estão sob investigação. Na sala de cirurgia, por exemplo, “Bernardo foi recebido pelo anestesista César Collier, que, mesmo sem exame para Covid-19, visita pré-anestésica ou risco cirúrgico, realizou a anestesia geral, diferentemente do que haviam dito à família e ao próprio Bernardo”. O rapaz morreu na madrugada do dia 10 de agosto de 2023, e o prontuário não foi entregue dentro do prazo de 30 dias. O médico e o anestesista estão sendo ouvidos pelo CRM.>
Como estagiava no IML, Bernardo era muito querido pelos colegas do Instituto. Foi justamente alguém da direção do IML que informou a Roberto Cavalleiro de Macedo que a morte era suspeita, mas que ainda seria apresentado um laudo definitivo. “Ocorre que o laudo entregue não condizia com a situação clínica do meu filho. E este fato já configura uma grave falha profissional, considerando que esses registros seriam de fundamental importância para uma eventual responsabilização dos dois profissionais, o médico e o anestesista”, diz o advogado. O que se comenta, segundo ele, é que haveria uma relação de amizade e até sociedade entre o médico e pessoas responsáveis pelo laudo, o que está sendo investigado pelo Ministério Público, que ainda não apresentou a denúncia.>
O advogado afirma que já foi solicitada a impugnação do laudo e que o pedido foi aceito pelo delegado responsável pelo inquérito. O caso ainda está sob investigação, mas revela as mazelas que as famílias passam nestas circunstâncias, principalmente diante da possibilidade de corporativismo, apesar de esta postura ter mudado pelo próprio Conselho Regional de Medicina, zelando, segundo ele, pela apuração rigorosa dos fatos.>
Foi a partir da movimentação da família de Gustavo Russo, capitaneada pela sua mãe, Iranilde Russo, que o surgiu o Movida. No início, ela carregava sozinha faixas e cartazes na Praça da República pedindo justiça e punição para os matadores do filho. Aos poucos, outros casos foram aparecendo, como da Irmã Dorothy Stang, casos Nirvana, Bruno Abner, Meninas da Pratinha, Meninos da Ceasa, entre outros, fazendo com que o movimento fosse consolidado pelas famílias que buscavam apoio e ganhasse representatividade junto às autoridades.>
A primeira presidente do Movida foi Iranilde Russo. Hoje, o Movimento é presidido pela professora Maria Andrelina Ferreira Pereira, que também teve um filho assassinado.>
Outra integrante do Movida, Socorro Nobre, também viveu dias difíceis em busca da responsabilização dos culpados pela morte do seu filho, Lian. Ela conta que no dia 31 de julho de 2012, por volta das 20h, Lian Cleber Araújo Nobre e o amigo Patrick William Álvaro trafegavam pela avenida Duque de Caxias, quando foram abordados por um carro, de dentro do qual foram efetuados vários disparos de arma de fogo. Lian foi baleado e levado ao hospital, mas morreu durante a cirurgia, no dia 1° de agosto, enquanto Patrick ficou com sequelas permanentes no braço decorrentes dos tiros que levou.>
Os acusados pelo crime Marcelo Régis de Souza Aguiar e Wililayo Aleixo Pereira, que pertenceriam a uma torcida organizada, foram condenados a 29 anos de prisão em regime fechado. O único que está foragido é Samir Costa Assunção. Eles foram presos 22 dias depois do homicídio quando tentavam matar integrantes de outra torcida organizada.>
Outro caso que o Movida também irá acompanhar é o da morte de Marcello Victor Carvalho de Araújo, de 24 anos, filho da escrivã da Polícia Civil Ana Suelen Carvalho, que foi morto a tiros por policiais federais numa operação efetuada em outubro/25, dentro do apartamento onde a vítima estava, que foi arrombado pelos policiais.>
O alvo da operação seria o namorado da mãe do rapaz, identificado como Marcelo Pantoja Rabelo, conhecido como “Marcelo da Sucata”. Segundo a PF, o rapaz teria reagido à abordagem policial. Diante da justificativa, a promotora Ana Maria Magalhães, tia da vítima, já entrou em contato com o Movida e pediu apoio, pois pretende investigar o caso a fundo.>
Diante de tantas injustiças e mortes prematuras, resta a esperança de que pelo menos a punição dos culpados sirva de exemplo para a construção de uma sociedade mais justa e que os autores, diretos ou indiretos, destas mortes, não voltem a rescindir no crime.>