Destaque do Círio de Nazaré, brinquedos de miriti se firmam como tesouro cultural e ecológico

Artefatos são capazes de unir fé, tradição e sustentabilidade

Publicado em 25 de setembro de 2025 às 09:12

(Imagem de Nossa Senhoira de Nazaré em miriti)
(Imagem de Nossa Senhoira de Nazaré em miriti) Crédito: Dimitri

Por Kauanny Cohen - Uma lembrança enraizada na memória afetiva da população paraense durante o Círio de Nazaré é a dos brinquedos de miriti, encantando crianças e adultos durantes as manifestações de fé que tomam conta das ruas de Belém no mês de outubro.

Considerados Patrimônio Cultural Imaterial do Estado do Pará, os objetos são um verdadeiro símbolo da cultura paraense que carregam oportunidades de sustento para artesãos, além de ser exemplo de sustentabilidade.

Originados em Abaetetuba, os brinquedos possuem uma imensa importância cultural e social para os artesãos locais e para a população. Eles se fazem presentes representando a fauna e flora amazônica, embarcações, danças, etc.

No período do Círio, uma das maiores manifestações católicas do mundo, o crescimento do número de eventos, feiras e festividades, possibilita que os trabalhos feitos do miriti ganham ainda mais destaque tanto pela população local quanto por turistas que visitam a cidade.

Marcelo Vaz (Waz) tinha 18 anos quando começou a executar o miriti como fonte de renda. “O artesanato de miriti se inicia em nossa trajetória desde muito cedo, pois a vivência ancestral do povo ribeirinho e demais comunidades tradicionais do interior, preserva os saberes da palmeira sagrada. Então desde a infância, essa relação já se faz de forma muito intensa. Durante toda a juventude, aprimorei técnicas para produzir artefatos em miriti, apesar de muito tempo se manter apenas como hobby”, relata.

Sua marca, ‘DIMIRITI’, possui cerca de 10 anos e surgiu com o intuito de trazer novas perspectivas em relação a este trabalho e apresenta aspectos da cultura Amazônica: “Uma proposta que envolvesse a comunidade para desenvolver, de forma coletiva, uma produção que utilizasse como base o artesanato tradicional, mas com uma estética inovadora. ”

Com aproximadamente 15 pessoas (que integram a produção, exposições e palestras), a marca foca não apenas nos brinquedos de miriti, mas também em peças utilitárias como luminárias, móveis e artefatos de arte. “Isso foi um diferencial para o nosso trabalho, e trouxe oportunidade para fazer exposições em Abaeté, em Belém e em outros estados. É muito gratificante, hoje avaliar o que estamos construindo coletivamente, com total protagonismos de pessoas do interior, atingindo novos mercados, com criatividade e identidade genuína. ”

Marcelo também conta que o período do Círio é sempre um ponto crucial para sua produção, uma vez que as festividades proporcionam também mais visibilidade. Este ano, a ‘DIMIRITI’ irá participar pela terceira vez da Feira de Artesanato do Círio (FAC), onde já é costume apresentar alguma novidade/lançamento ao público.

Ele conclui reforçando o quanto o miriti é rico culturalmente, pois faz parte de uma história capaz de perpetuar saberes e imaginários por meio da expressão artística. Além disso, se traduz como uma forma de posicionamento: “ De maneira democrática, colorida e envolvente, é possível compartilharmos a potência dos saberes culturais dos povos originários, nossa ancestralidade, resistência e manifesto de preservação em defesa de nossos territórios”.

Patrimônio ecológico

Buritizeiro
Buritizeiro Crédito: Reprodução: Donaeuzébia  Plantas

A relação com a sustentabilidade pode ser vista principalmente quando observamos o processo de extração (de baixo impacto) da matéria prima para a fabricação dos brinquedos de miriti, fornecida pela fibra das folhas da árvore.

O miriti é, na verdade, a fibra do buritizeiro, palmeira conhecida como “árvore da vida” por diversas comunidades tradicionais. A expressão se dá pelo fato da árvore poder ser aproveitada de diversos jeitos, incluindo para a confecção do brinquedo. “Os ribeirinhos costumam explicar que tudo se faz do buritizeiro. Eles cobrem casas com as folhas, podem fazer utensílios domésticos, da caça, de pesca e também o artesanato. Além da polpa, que eles fazem vinho, mingau e também o óleo como uso medicinal”, ressalta a pesquisadora Ronize Santos, atuante na área de etnobotânica do Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG).

Por ser típico de áreas alagadas, o buriti tem a regulação hídrica como uma de suas principais contribuições, pois ajuda na regulação de igarapés e nascentes. Suas flores e frutos servem de alimento para uma diversidade de aves, peixes e roedores, auxiliando também na proteção do solo.

Ela explica com o miriti, enquanto matéria prima, pode ser essencial para a sustentabilidade de uma região. Ao confirmar que os brinquedos de miriti podem ser considerados ecológicos, Ronize afirma que “ na sua produção, é utilizada uma matéria prima natural e renovável, que gera um baixo impacto na transformação e confecção, e substitui o material sintético. Eles integram práticas culturais e econômicas que fortalecem a sustentabilidade pois é uma economia de base comunitária, que fortalece a renda local e ressalta práticas culturais”, pontua.

“Trata-se de uma espécie que articula dimensão ambiental, social, cultural e econômica, configurando-se como um recurso biocultural estratégico. Do ponto de vista ambiental, a extração de fibras, frutos, folhas, quando realizada de forma controlada, garante a regeneração natural da palmeira e assim a conservação dos buritizais”

A profissional também reafirma que a relevância cultural dos brinquedos de miriti também se releva quando pensamos no movimento de transmissão de conhecimentos tradicionais. Tal trabalho mantem viva as práticas artesanais que constituem a identidade dessas comunidades. “E na dimensão econômica, a transformação do buriti em artesanato oferece alternativas sustentáveis de geração de renda, inserindo na lógica da bioeconomia e reduzindo a pressão sob atividades predatórias (como desmatamento e pecuária extensiva) que se expandiram por toda nossa região. ”

Além disso, o potencial de conscientização ecológica é outro fator que podemos agregar ao miriti, tanto para crianças quanto para os adultos. “Os brinquedos mostram na prática como é possível produzir objetos lúdicos acessíveis sem agredir a natureza. Para as crianças, funcionam como uma porta de entrada para refletir sobre consumo consciente e valorização dos recursos naturais. ”