Dólar respeita 'teto' de R$ 5,70, mas fiscal torna real pior moeda emergente; Ibovespa cai

O dólar chegou a ceder pontualmente na parte da manhã devido à arrecadação federal maior do que a esperada em setembro, mas o movimento não perdurou.

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Estadão Conteúdo

Publicado em 22 de outubro de 2024 às 18:34

Dolar
Dolar Crédito: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Em um cenário em que a divisa americana ganhou terreno também contra pares fortes, o renovado mal-estar fiscal e a precificação do eventual retorno do republicano Donald Trump à Casa Branca fez com que o real fosse a pior moeda entre as principais economias emergentes e de exportadores de commodities, ainda que tenha respeitado a marca psicológica dos R$ 5,70.

No segmento à vista, o dólar fechou em alta de 0,12%, a R$ 5,6973. Às 17h20, o contrato futuro para novembro, contudo, registrava leve queda de 0,04%, a R$ 5,6985. Já o índice DXY fechou em alta de 0,06%, a 104,075 pontos.

O real foi a única divisa entre as maiores economias de emergentes e exportadores de commodities que se desvalorizou contra o dólar nesta terça-feira, indicando que a maior pressão foi local. Neste contexto, o mercado continua atento ao quadro fiscal brasileiro, que se deteriorou em outubro e faz com que a divisa americana acumule alta de 3,20% ante o real neste mês.

Pela tarde, os operadores monitoraram declarações do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em Washington, e do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em entrevista à rede americana CNBC.

"Nós vamos recompor essa base fiscal, até porque as despesas herdadas para as quais não havia fonte de financiamento têm de ser pagas", disse o ministro, segundo quem está acontecendo uma convergência entre despesas e receitas, algo que não ocorria desde 2015. A fala trouxe um certo incômodo nos agentes.

"Ora o mercado dá mais peso para internacional, ora dá mais peso para local. Hoje fatores locais pesaram um pouco mais, e me parece que a fala do Haddad que sugere que parte do ajuste fiscal seria feito via recomposição de despesa não é exatamente o que o mercado esperava, então o mercado coloca essa incerteza no preço", avalia o economista-chefe do Banco Pine, Cristiano Oliveira.

No cenário externo, o dólar se acomodou com alta ante o euro e o iene, à medida que a eleição presidencial nos Estados Unidos amplia a influência na precificação dos ativos. As bolsas de apostas do mercado apontam chance de vitória do republicano e ex-presidente Donald Trump nas eleições à Casa Branca, o que, segundo analistas financeiros, é positivo para a moeda dos EUA.

O economista-chefe do Banco BMG, Flavio Serrano, destaca que ontem o real se descolou das demais moedas, quando já havia um movimento de dólar forte globalmente. "Acho que hoje está ajustando um pouco a descorrelação que aconteceu ontem", afirma. Assim, o dólar à vista encerrou em linha com o DXY nesta terça-feira.

Ibovespa

Com dólar e curva do DI em alta, o Ibovespa emendou a quarta perda diária, tendo confirmado, no ajuste final, recuo ao nível de 129 mil pontos pela terceira vez no mês, como em 9 e 11 de outubro, convergindo a patamares do começo de agosto. Hoje, o índice oscilou entre mínima de 129.094,35 e máxima de 130.345,51 pontos, correspondente ao nível de abertura. No fechamento, mostrava perda de 0,31%, aos 129.951,37 pontos, com giro a R$ 18,2 bilhões. Na semana, cai 0,42% e, no mês, cede 1,41%, colocando a perda no ano a 3,16%.

Em geral, as principais ações do Ibovespa encerraram a sessão em campo negativo, entre as quais Petrobras (ON -0,48%, PN -0,39%), mas algumas melhoraram do meio para o fim da tarde, como Itaú (PN +0,17%) e Vale (ON +0,13%). Entre os grandes bancos, o ajuste foi a 1% em alguns nomes, como BB (ON -1,20%) e Santander (Unit -1,05%). Na ponta perdedora, Azul (-5,70%), Eztec (-4,21%) e MRV (-3,91%). No lado oposto, Hypera (+7,45%), Vamos (+2,98%) e Pão de Açúcar (+2,55%).

"Hypera se valorizou hoje diante da possibilidade de fusão com a EMS - empresa não listada em bolsa -, anunciada ontem e que causou forte volatilidade para suas ações, que chegaram a ser negociadas entre alta e queda de 15% no intradia conforme os investidores assimilavam as novas perspectivas para a companhia", aponta Felipe Castro, sócio da Matriz Capital.

No quadro mais amplo, "quando se olha o valuation da Bolsa, ainda está muito barata, mas a curva de juros mostra abertura que reflete a preocupação quanto ao fiscal. A melhora da nota de crédito do Brasil pela Moody's não foi ideia que o mercado 'comprou', e desde então tem se mantido dissonante, com a percepção de que se o governo vier a fazer um ajuste de rota quanto à situação fiscal, deixará para os 45 do segundo tempo para resolver", diz Daniel Utsch, gestor de renda variável da Nero Capital. "A trajetória fiscal ainda preocupa, é um balde de água fria."

Para além do cenário doméstico, fatores externos, como a proximidade de uma eleição americana de resultado incerto, os desdobramentos geopolíticos no Oriente Médio e o grau de resiliência do nível de atividade na China, também explicam o baixo apetite por risco em emergentes como o Brasil, revertendo o entusiasmo que chegou a ser ensaiado quando veio a confirmação do cenário de juros gradualmente mais baixos nos Estados Unidos: um "respiro" que passou, observa Utsch, destacando certa reversão da "rotação global" de ativos, com recursos direcionados de volta a 'big techs' dos EUA, em paralelo a rendimentos dos Treasuries em recuperação.

"Mercado segue bastante cauteloso, e hoje tivemos poucos novos catalisadores, seja aqui, seja no exterior", diz Rodrigo Moliterno, head de renda variável da Veedha Investimentos. "Ascensão do Donald Trump nas pesquisas eleitorais dos Estados Unidos tem sido acompanhada com atenção, especialmente pelo discurso protecionista, com efeito para emergentes. Em um governo mais protecionista, juros tendem a ficar elevados", acrescenta Moliterno. "Ainda há divergência sobre para onde irão os juros americanos após as eleições" de 5 de novembro, enfatiza

Assim, nem mesmo o petróleo em alta contribuiu hoje para desempenho positivo do Ibovespa, observa Moliterno, destacando, contudo, a melhora em alguns papéis de primeira linha, como Itaú e Vale, do meio para o fim da tarde, o que assegurou o fechamento com perdas moderadas para o índice da B3, embora abaixo dos 130 mil.

Juros

Os juros futuros fecharam a terça-feira com taxas perto da estabilidade, operando sob volatilidade no período da tarde, após o sinal de queda moderada prevalecer ao longo da manhã. O aumento da cautela coincidiu com a migração dos rendimentos dos Treasuries de queda para estabilidade, também na segunda etapa. Sem agenda ou noticiário relevantes, o mercado de juros não teve motivação para esticar o movimento de correção em baixa de ontem, dado o cenário fiscal preocupante, mas por outro lado, os prêmios são considerados muito esticados, o que desencoraja apostas numa deterioração adicional do cenário.

A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2026 fechou em 12,69%, de 12,68% ontem mo ajuste, e a do DI para janeiro de 2027 ficou estável em 12,85%. O DI para janeiro de 2029 encerrou com taxa de 12,85%, de 12,89% ontem no ajuste.

Pela manhã, o alívio nos Treasuries e a arrecadação de setembro acima do esperado deram algum fôlego para o mercado continuar corrigindo excessos, mas no fim da primeira etapa houve maior volatilidade na curva americana, o que acabou contaminando os negócios por aqui. "O mercado hoje andou de lado, sem querer tomar direção firme, com os Treasuries no ramerrame, e apesar do mercado global forte de commodities", avaliou economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez.

Preços do petróleo e grãos estiveram em alta nesta terça-feira, mas a curva de juros resistiu ao contágio. "O ambiente global hoje foi mais inflacionário, mas esse DI para janeiro de 2026 em 12,69% já indica uma precificação de Selic compatível para combater a inflação", disse Sanchez, para quem a assimetria altista no mercado de juros se esgotou com as taxas longas perto de 13%. "Comprar nesses níveis é uma realidade insustentável, mas também com esse cenário fiscal ninguém vai querer se expor", completou.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, voltou hoje a afirmar que todas as quedas sustentáveis de juros no Brasil estiveram relacionadas a choques fiscais positivos. Ele concedeu entrevista à rede americana CNBC. "É muito difícil imaginar uma situação em que, partindo de agora, nós somos capazes de ter juros muito menores do que hoje, a menos que nós sejamos capazes, de alguma forma, de produzir um choque positivo no lado fiscal", afirmou.

De maneira geral, o investidor tem evitado a montagem de posições antes da definição da agenda de revisão de gastos e o que destas propostas será aprovado pelo presidente Lula. Em Washington, o ministro Fernando Haddad disse que ainda terá reuniões com outros ministros e com o presidente sobre o programa de corte de despesas. Questionado sobre as medidas, ele não quis antecipar detalhes.

"O governo precisa rapidamente reagir com um ajuste fiscal convincente de cortes, pois as medianas do IPCA de 2024 e 2025 ainda subirão mais, da mesma forma, que a reprecificação do dólar médio", afirmou o economista-chefe e sócio da Equador Investimentos, Eduardo Velho.

Na agenda econômica do dia, a Receita informou que a arrecadação de setembro somou R$ 203,1 bilhões, não apenas superando a mediana das estimativas do mercado, de R$ 201,5 bilhões, como batendo recorde da série histórica para o mês.