Da ditadura militar aos recordes de público: conheça a história do Estádio do Mangueirão

Principal praça esportiva paraense, o Estádio do Mangueirão enfeita o cenário da capital Belém desde o início da década 70, quando foi iniciada a obra de construção daquele que viria a ser o palco de grandes jogos e a casa do futebol no Pará até hoje. Neste momento, o Mangueirão vem em reta final de...

Publicado em 12 de janeiro de 2023 às 09:00

Principal praça esportiva paraense, o Estádio do Mangueirão enfeita o cenário da capital Belém desde o início da década 70, quando foi iniciada a obra de construção daquele que viria a ser o palco de grandes jogos e a casa do futebol no Pará até hoje. Neste momento, o Mangueirão vem em reta final de reforma para ser reaberto no dia 19 de março com o clássico Re-Pa pela primeira fase do Campeonato Paraense 2023.

Até de chegar aqui, o Estádio do Mangueirão foi construído em meio a uma história que poucos torcedores conhecem. Antes de ser o palco de grandes jogos e de receber grandes públicos, o estádio teve um passado ligado à ditatura militar, como conta o historiador Antônio Carlos Lobato (@lorodadoca).

'O Mangueirão é um estádio que a origem está ligada a ditadura militar. Durante o regime militar, o governo utilizou muito o futebol como uma forma de propaganda positiva do regime, inclusive do tricampeonato (mundial da Seleção Brasileira), em 1970. Teve muita propaganda. Em 1972 o Brasil fez 150 anos de Independência. Aquela Seleção de 70 foi muito usada como propaganda para os militares. Eles deram continuidade a uma política estatal que existia desde a era (Getúlio) Vargas (Presidente do Brasil entre 1951 - 1954), de você usar o futebol como uma forma de fazer propaganda do país, de você fazer propaganda daquela cultura. Da mestiçagem, democrática, da casa grande que um Brasil era um país miscigenado e essa miscigenação tinha dado certo, o futebol era uma maneira de mostrar isso aí', explicou.

. Crédito: (Foto: Facebook/Nostalgia Belém)

Antônio Carlos conta ainda que o início das obras do Estádio do Mangueirão foram embaladas pelo bom momento que a economia brasileira vivia na época com o chamado 'milagre econômico brasileiro'. O projeto do estádio da capital paraense foi idealizado pelo engenheiro Alcir Meira e encomendado por Alacid Nunes, governador do Pará na época. Oficialmente, a construção do Mangueirão começou em 1971.

'Entre o fim dos anos 60 e o início dos anos 70, todo o Brasil vivia um momento político econômico chamado de 'milagre econômico brasileiro', que foi quando o país crescia. As taxas bem altas, de 10% ao ano, e as taxas de inflação eram baixas, porque o salário mínimo estava defasado. Os militares se aproveitaram desse bom momento da economia brasileira para começar a construir grandes praças esportivas no país todo. Nesse contexto que começam a falar sobre a construção de um grande estádio paraense, porque aqui o futebol já tinha crescido muito e não tinha ainda uma grande praça esportiva. O projeto de construção do Mangueirão começa em 1969. É um projeto do engenheiro Alcir Meira, que acabou recebendo essa tarefa de um dos governadores da ditadura aqui no Brasil, Alacid Nunes. A construção do estádio começa em 1971, apesar do projeto ser de 1969. Ele entra nesse contexto do milagre econômico brasileiro. Esse projeto vai levar, mais ou menos, oito anos para o estádio ser construído. Vai de 1971 até 1979. É um processo até certo ponto longo'.

Nome e primeiro jogo - de fato e de ofício

Já com o projeto de construção pronto, o estádio de Belém precisava ter um nome. Segundo relatado pelo historiador Antônio Carlos, a discussão em torno de como seria chamada a praça esportiva da capital paraenses começou em 1976. O primeiro nome usado no estádio foi o do presidente da época, Alacid Nunes. Porém, acabou não encaixando na sociedade e uma mudança precisava ser feita. Foi então que o nome 'Mangueirão' foi mantido até segunda ordem.

'Em 1976 começa essa discussão em torno do nome. O estádio é inaugurado no dia 20 de fevereiro de 1978 com o nome de Alacid Nunes, que era o nome do governador do Pará na época em que foi assinado o projeto. Só que o nome não pegou. O pessoal preferiu continuar chamando de Mangueirão. Uma das teorias mais aceita para o nome é porque Belém é conhecida como 'Cidade das Mangueiras'. E daí virou o nome Mangueirão', contou.

Antes mesmo da conclusão das obras, o Estádio do Mangueirão já estava recebendo jogos. De acordo com o historiador Antônio Carlos, em 1975 foi registrado um clássico Re-Pa pela categoria infantil. Cerca de 25 mil pessoas estiveram no estádio naquele dia e o primeiro gol do Mangueirão foi marcado pelo atacante Iran, do Paysandu, que recebeu uma placa das mãos de Fernando Guilhon, governador do Pará na época.

'Em 1975 já eram registrados alguns jogos (no Estádio do Mangueirão). Por exemplo, naquele ano rolou um Re-Pa infantil. Basicamente 25 mil pessoas foram ao estádio, que estava só com as arquibancadas e o gramado pronto. O primeiro gol foi marcado pelo atacante Iran, do Paysandu, que recebeu, inclusive, da mão do governador na época, Fernando Guilhon, uma placa com os dizeres 'eu fiz o primeiro gol no Mangueirão'', contou.

Apesar da partida entre Leão e Papão na categoria infantil ter sido a primeira registrada no Estádio do Mangueirão, oficialmente o jogo de abertura do estádio aconteceu somente no dia 4 de março de 1978. Naquele dia, a Seleção Paraense venceu a Seleção do Uruguai. Porém, dias antes, o Remo já havia estado no estádio recebendo o Operário do Mato Grosso em jogo pelo Campeonato Brasileiro em uma história um tanto quanto curiosa de como a partida foi parar no Mangueirão.

'No dia 20 de fevereiro de 1978 aconteceu uma partida entre Remo e Operário do Mato Grosso. O Remo, inclusive, ganhou por 2 a 0 o Operário. Só que não foi considerada a inauguração oficial. A partida do Remo só foi feita ali porque o estádio do clube não estava autorizado pela Confederação Brasileira de Desportos (CBD na época, hoje a CBF) a receber jogos. Então teve que realizar no Mangueirão por necessidade. A inauguração oficial vai ocorrer depois. Em 4 de março de 1978, a inauguração acontece com a Seleção Paraense e a Seleção Uruguaia. Foi uma partida muito badalada, onde a imprensa esteve em massa. Foi muito exaltado o fato de Belém ter uma nova praça esportiva. Um dos grandes elogiosos foi exatamente o sujeito que vai receber o nome do estádio depois, o jornalista Edgar Proença'.

Seleção Brasileira em Belém

Ao longo da história, o Estádio do Mangueirão presenciou alguns dos grandes feitos do futebol paraense. Campanhas memoráveis de acessos de divisão de Remo e Paysandu, conquistas de títulos dos dois clubes e as inesquecíveis participações do Paysandu na Copa dos Campeões de 2022 - que rendeu o inédito título ao futebol do norte - e na Copa Libertadores da América, algo que nunca havia acontecido com um clube da região norte do Brasil. Além disso, a casa do futebol paraense recebeu por três vezes a Seleção Brasileira em diferentes ocasiões.

A primeira vinda da Seleção Brasileira ao Estádio do Mangueirão aconteceu em 1990. Logo após a disputa da Copa do Mundo daquele ano, que aconteceu na Itália, a Seleção Brasileira pisou em Belém para enfrentar o Chile. No entanto, a partida acabou não saindo do zero a zero. A segunda passagem brasileira na capital paraense foi em 1997, um ano antes da Copa do Mundo da França, na partida que marcou a inauguração do segundo lado de arquibancada do estádio.

. Crédito: (Foto: Rafael Ribeiro/CBF)

'O primeiro jogo foi horroroso. O Brasil tinha saído da Copa (do Mundo) de 1990. No dia 8 de novembro daquele ano, o Brasil joga com Chile aqui. Um jogo horroroso, com um zero a zero no placar. A segunda vez que a Seleção Brasileira veio ao Mangueirão foi em 1997. A Seleção estava em preparação para Copa da França, de 1998. Foi quando reinauguram o Mangueirão com os dois lados (de arquibancadas). Nesse jogo o Brasil ganhou de 2 a 0 Marrocos. Denílson que fez os dois gols', contou o historiador Antônio Carlos.

Já nos anos 2000, a Seleção Brasileira voltou mais duas vezes ao Estádio do Mangueirão. A primeira delas aconteceu antes da Copa do Mundo de 2006, na Alemanha. Fechando as Eliminatórias daquela ano, o Brasil encarou a Venezuela em solo paraense. Em campo, um time estrelado com Dida, Cafu, Roberto Carlos, Ronaldinho Gaúcho, Kaká, Ronaldo e Adriano Imperador.

'Depois o Mangueirão vai receber de novo Seleção. Foi o primeiro jogo de Eliminatórias (da Copa) disputado em Belém, no dia 12 de outubro. Nesse jogo a cidade respirava o clima do Círio. Em 2005 o Brasil tinha aquele timaço com o quadrado mágico e tudo. A Seleção Brasileira veio para Belém enfrentar a Venezuela e ganhou de 3 a 0. Os gols foram do Adriano (Imperador), do Ronaldo Fenômeno e do Roberto Carlos'.

. Crédito: (Foto: Rafael Ribeiro/CBF)

Por fim, em 2011, a Seleção Brasileira pisou pela última vez no Estádio do Mangueirão para fazer o 'Superclássico das Américas' contra a Argentina. Em campo, apenas jogadores que atuavam nos clubes dos dois países, sem os brasileiros e argentinos 'estrangeiros' que atuavam nos grandes clubes da Europa. Naquele dia, o Brasil contou com Ronaldinho Gaúcho, que já estava jogando no Flamengo, e Neymar, despontando no Santos.

'O último jogo do Brasil em Belém foi no dia 21 de setembro de 2011. Belém fica fora das sedes (da Copa do Mundo de 2014, no Brasil) e vem para cá o Superclássico das Américas contra a Argentina. O Neymar já estava jogando pela Seleção. Esse foi aquele famoso jogo do 'cantar à capela', quando o paraense enche o Mangueirão e canta aquele hino a capela'.

Recorde de público

Desde o primeiro jogo, em 1975, o Estádio do Mangueirão se acostumou a receber bons públicos durante as partidas. Segundo registros do historiador Antônio Carlos Lobato, cerca de 65 mil torcedores estiveram nas arquibancadas do Mangueirão no dia 11 de julho de 1999 para assistir o Remo vencer o Paysandu por 1 a 0. Esse, inclusive, é o maior público registrado no Estádio. Porém, ele faz uma ressalva para as mudanças que a praça esportiva sofreu no início dos anos 2000, com mais uma reforma, que influenciou nos dados de público.

'O Mangueirão tem o maior público registrado de 65 mil pessoas no dia 11 de julho de 1999, quando o Remo ganhou o Paysandu de 1 a 0. Só que depois disso, no início dos anos 2000, o Mangueirão sofre sua terceira reforma, quando ele deixa de ser um estádio qualquer e se transforma em estádio olímpico. É aí que ele vira o Estádio Olímpico Edgar Proença, que é o nome que ele tem até hoje. Então a gente tem a pista de atletismo, que foi inaugurada e deu a maior polêmica na época do então governador Almir Gabriel, porque falaram que fizeram aquela pista com as coisas do Paysandu. Foi a última grande reforma no Mangueirão', contou.

Com a reforma do início dos anos 2000, Antônio Carlos destaca duas 'novidades' no então novo Mangueirão em relação ao recorde de público. A primeira delas logo em 2003 com o Paysandu disputando a Taça Libertadores da América e recebendo os principais clubes do continente em Belém, como o Boca Juniors, adversário bicolor nas oitavas de finais. Naquele dia 15 de maio de 2003, 59 mil bicolores foram ao estádio assistir o Boca Jrs conseguir reverter o placar de 1 a 0 feito pelo Paysandu em plena La Bombonera, em Buenos Aires, na Argentina, e conseguir avançar de fase na Libertadores.

. Crédito: (Foto: Divulgação/Paysandu)

'Essa reforma do Mangueirão é muito característica por dois fatos. Para a torcida do Paysandu e do Remo. Para o Paysandu vamos ter nesse momento o clube no auge da sua história jogando a Libertadores, quando ganha o Boca (Juniors) em La Bombonera (na Argentina) e na volta aqui ele acaba sendo desclassificado. Mas, na nova era do Mangueirão, em 2003, esse foi o maior público do Mangueirão pós-reforma, tendo 59.930 mil'.

Já em relação aos remistas, o historiador detalha que em 2005 foi o grande ano dentro do Estádio do Mangueirão. Naquele ano, o Leão conquistou o inédito título do Campeonato Brasileiro da Série C em uma campanha que colocou o Fenômeno Azul como a maior média de público na soma das três divisões do futebol brasileiro.

'Para a torcida do Remo o auge no Mangueirão é a campanha da série C de 2005, quando o clube chegou a ter a maior média de público das três divisões (do futebol brasileiro). Depois foi o acesso (em 2015 da Série D à Série C) com a vitória sobre o o Operário de Ponta Grossa quando o Remo chega ao acesso à série C naquele jogo também que o Mangueirão também recebeu um grande público', finalizou.