Fórum Nacional Verdemocracia debate sobre processo eleitoral e novas tecnologias

Temas como liberdade do voto, redes sociais e campanhas eleitoras que utilizam algoritmos para coletar dados dos eleitores marcaram os debates na manhã do segundo dia do evento.

Publicado em 16 de setembro de 2025 às 15:45

Evento é promovido pelos Tribunais Superior (TSE) e Regional Eleitoral (TRE) 
Evento é promovido pelos Tribunais Superior (TSE) e Regional Eleitoral (TRE)  Crédito: Divulgação

Temas como liberdade do voto, redes sociais e campanhas eleitoras que utilizam algoritmos para coletar dados dos eleitores marcaram os debates na primeira parte do segundo dia do evento.

No segundo dia do Fórum Nacional “Verdemocracia”, que abriu na manhã desta terça-feira (16) a programação do evento, promovido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Tribunal Regional Eleitoral (TRE), no Teatro Maria Sylvia Nunes, vários especialistas participaram dos debates no painel “Processo Eleitoral e Novas Tecnologias”, tendo como moderador o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Cristiano Zanin. O painel contou ainda com a participação da ministra do TSE Estela Aranha; da professora doutora Marilda Silveira, do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP); e ainda do defensor público do Rio de Janeiro e assessor-chefe da Vice-Presidência do TSE, William Akerman.

Quem abriu o painel foi a ministra do TSE Estela Aranha, que falou sobre o papel das redes sociais no cotidiano, com a massificação de notícias, sejam fake news, ou não, que invadem as telas dos usuários de internet, como no caso do assassinato do ativista político Charlie Kirk nos Estados Unidos. “Para fazer uma ponte com os acontecimentos do final de semana, um evento informacional construído a partir de pequenas narrativas, de repente se transforma em algo grande - um acontecimento factual pode ser amplificado pelos meios de comunicação, nas plataformas digitais, com sua materialidade imediata convertendo-se num processo narrativo simbólico, ocupando espaço midiático, político, passando a ser disputado, manipulado e instrumentalizado, tornando-se pivô de definições de identidades coletivas, ocupando a agenda pública e equilíbrios de poder”, destacou a ministra.

Estela Aranha enfatizou que o fato foi distorcido por uma máquina geradora de conteúdo, por influencers, que se utilizaram de uma tragédia humana visceral para transformá-lo num conteúdo com possibilidade de mobilização, o que, segundo ela, faz com que as “facções” interpretem o fato ao seu gosto, prontas para se mobilizar, dando origem a uma guerra de narrativas. “Quando a gente fala deste evento informacional, a gente fala do acontecimento em si, real, da cobertura jornalística, da disputa digital e da instrumentalização política”, completa, observando que a própria cobertura jornalística incorporou grande parte do debate on-line, levando à reposição da agenda pública, ou seja, o evento deixou de ser apenas o que aconteceu para existir num plano de disputa informacional, tornando a disputa narrativa quase ou até mais importante do que o fato em si. Ela acredita que é neste momento que a Justiça Eleitoral terá que agir para coibir o discurso de ódio na política, diante da manipulação on-line dos fatos ou por meio de inteligência artificial.

Fatos e valores

Para a professora Marilda Silveira, a segunda palestrante do dia, é importante questionar sobretudo “quais valores a gente quer proteger?”. Alguns destes valores, diz ela, já estão protegidos pela Constituição Federal, porém outros, não. “A máquina do processo eleitoral, que entrega cadeiras quando a gente coloca voto, é expressão da nossa vontade? Resta saber se esta máquina funciona neste mundo novo?

A questão, diz ela, é saber como lidar com esta nova tecnologia múltipla, capaz de afetar os dois pilares fundamentais, que são o fato e o valor. “Como a gente lida com uma ferramenta que consegue impactar nos fatos e nos valores? Mas para isso é preciso definir o que são cada um deles – fato e valor – pois são diferentes”. Para ela, só existe máquina eleitoral funcionante, como foi inventada, para entregar liberdade do voto e conversão de voto em cadeira, “se nós formos livres e capazes de separar o que é fato e o que é valor. E como lidar com esta ferramenta que interfere nos fatos e valores? Como ela faz para transformar algo desimportante em algo importante? “, questiona.

Marilda Silveira observa que o processo eleitoral divide a vida artificialmente em quatro partes: 1) tempo, o processo eleitoral começa dia 15 de agosto; 2) atores, ou seja, candidatos, partidos, coligações, federações, instituições, eleitores e outros; 3) conteúdo do que é falado e 4) ferramentas que são utilizadas. “Todos estes elementos são artificializados e regulados - e se não fossem -, nós não teríamos liberdade de voto”, analisa, destacando que hoje a sociedade dá mais valor aos resultados do que propriamente aos meios. No processo eleitoral, por exemplo, “há muitas obrigações de resultados, como cassações de mandatos, multas a candidatos, supressões de conteúdo na internet etc., mas há poucas obrigações de meio, ou seja, de ações que preservem os valores”, compara.

Algoritmos

A última palestra do painel foi proferida pelo assessor-chefe da Vice-Presidência do TSE, William Akerman, que falou como os algoritmos e a inteligência artificial estão transformando as eleições. Ele destacou o avanço do processo eleitoral ao longo do tempo, começando pelo período pré-moderno, modelo em que as mensagens eram transmitidas de forma interpessoal, em que candidatos e eleitores se comunicavam diretamente.

Com o advento do rádio e da TV, surgiu o modelo moderno, com campanhas marcadas por centralização de estratégias, profissionalização do marketing político e ênfase na imagem pública dos candidatos. Depois, veio o modelo pós-moderno, ou seja, o modelo digital, em que a comunicação é descentralizada, marcada pela viralização de conteúdos em múltiplas plataformas, com forte personalização do ponto de vista do receptor da mensagem nas redes sociais, espaço privilegiado da disputa política.

Hoje em dia, diz Willilam Akerman, temos as eleições algorítmicas, que utilizam algoritmos, ou seja, um conjunto maciço de dados, por meio de inteligência artificial, que são utilizados para segmentar, automatizar e personalizar comunicações em escala massiva. “E é nesta fase que se fala em campanhas eleitorais algorítmicas, que devem ser entendidas como aquelas caracterizadas por estratégicas de comunicação eleitoral que utilizam inteligência artificial e também sistemas automatizados para coletar, analisar e processar grandes volumes de dados sobre os eleitores. Então, o objetivo é mapear comportamentos e conteúdos sob medida e direcionar de forma ultrafina mensagens persuasivas”, explica.

Segundo ele, há aqui um salto qualitativo nas campanhas eleitorais, uma vez que a comunicação deixa de ser dirigida a grupos amplos e passa a alcançar indivíduos com narrativas personalizadas, explorando suas vulnerabilidades cognitivas e emocionais. “Este fenômeno, destacou a professora Marilda (Silveira), revela uma evidente tensão entre as inovações tecnológicas, de um lado, e garantias fundamentais, do outro, como a liberdade de expressão, a igualdade de oportunidades entre candidatos e também o voto consciente”, analisa.