Publicado em 28 de novembro de 2025 às 18:44
Em um cenário global onde a emergência climática impõe a necessidade urgente de descarbonização, a indústria mineral enfrenta seu maior paradoxo: é essencial para fornecer a matéria-prima da transição energética, mas precisa imperativamente reduzir seu próprio impacto. No coração da Amazônia, o município de Paragominas tornou-se o palco de uma resposta prática a esse desafio. Ali, a empresa Hydro consolidou um ecossistema operacional que subverte a lógica tradicional da extração, provando que a mineração pode atuar como um agente de regeneração ambiental e inovação social.>
A operação rompeu com o conceito linear de "extrair e descartar" para adotar a "Mina Circular". Nesta filosofia, o que historicamente foi classificado como passivo ambiental, o rejeito da bauxita é reintroduzido na cadeia produtiva ou devolvido à natureza de forma segura. Segundo Carlos Neves, vice-presidente sênior e COO da Hydro Bauxita & Alumina, trata-se de uma visão integrada onde o rejeito deixa de ser um problema para se tornar um recurso, gerido para não gerar passivos ambientais.>
Tecnologia a favor do clima: o fim das barragens>
A pedra angular dessa transformação é a tecnologia "Tailings Dry Backfill". O método, pioneiro na indústria do alumínio, ataca diretamente um dois pontos mais sensíveis da atividade mineral: o uso da terra e a segurança hídrica. Ao secar o rejeito e devolvê-lo imediatamente às áreas de onde o minério foi extraído, a empresa elimina a necessidade de construir novas barragens permanentes.>
"A eliminação de barragens através do Tailings Dry Backfill terá o maior impacto a longo prazo para o futuro da mineração na Amazônia", projeta Neves. Os números sustentam a afirmação: mais de 20 milhões de metros cúbicos de rejeitos já foram gerenciados por este sistema, liberando cerca de 800 hectares para processos imediatos de reabilitação e reflorestamento. Segundo o executivo, não há mais barreiras tecnológicas para que 100% do rejeito seja gerido desta forma no futuro; a meta depende apenas da ampliação progressiva das áreas dedicadas ao processo.>
A iniciativa é, também, um exercício de logística de baixo carbono. Para viabilizar a tecnologia e vencer o "inverno amazônico", período de chuvas que antes limitava a operação, a engenharia redesenhou o fluxo de transporte. O objetivo é que os veículos nunca circulem vazios: levam minério e trazem rejeito.>
Nesse ciclo, a descarbonização ganha tração com a introdução de caminhões elétricos. Atualmente, quatro veículos eletrificados, com capacidade de 60 toneladas cada, já operam na mina, reduzindo a queima de combustíveis fósseis. Essa eficiência operacional gera um ganho duplo: ambiental e financeiro, permitindo gerenciar todo o volume necessário com uma frota otimizada.>
A Conexão Barcarena: logística verde e reaproveitamento>
A sustentabilidade da operação não se encerra nos limites da mina. A bauxita extraída em Paragominas viaja 244 quilômetros até Barcarena não por caminhões ou trens, mas pelo primeiro mineroduto de bauxita do mundo. Considerado o modal mais sustentável para este tipo de transporte, o duto atravessa sete municípios: Paragominas, Ipixuna do Pará, Tomé-Açu, Acará, Moju, Abaetetuba e Barcarena, e cruza rios importantes como o Capim e o Moju, levando o minério em forma de polpa até à Alunorte.>
É em Barcarena, nas instalações da Alunorte, que a inteligência do reaproveitamento se amplia. Foi por meio de estudos colaborativos envolvendo a refinaria e a Universidade de São Paulo (USP) que se desenvolveu a tecnologia para transformar o rejeito da bauxita em matéria-prima para a construção civil.>
Se a maioria do rejeito retorna à cava para recompor a topografia, uma fração estratégica ganha um destino inovador que conecta a mineração à construção civil. A ideia nasceu de um momento simples: um desenho num quadro branco e um fluxograma básico esboçado pela equipe técnica.>
Dessa colaboração, surgiu um concreto sustentável onde o rejeito de bauxita substitui 35% do cimento na produção de blocos e pré-moldados. O impacto na mitigação das mudanças climáticas é direto, uma vez que evita a emissão de CO₂ proporcional à quantidade de cimento poupada.>
"O projeto transforma o rejeito em um subproduto de valor social e ambiental", destaca Neves. A decisão estratégica foi não comercializar o material, mas doá-lo, reforçando o papel de "boa vizinhança" e o desenvolvimento territorial. Mais de 40 mil blocos já pavimentaram o Parque Ambiental de Paragominas e obras comunitárias.>
É o horizonte dessa economia circular continua se expandindo. A empresa já prospecta o uso do rejeito na indústria de cerâmica vermelha, para a produção de tijolos e telhas, o que poderia fomentar novos fornecedores locais e diversificar a economia da região.>
O ciclo infinito do Alumínio>
O esforço para tornar a mineração e o processamento da bauxita mais verde ganha ainda mais relevância quando se observa o ciclo de vida do produto final. O alumínio é um metal infinitamente reciclável, capaz de retornar à cadeia produtiva sem perda de propriedades.>
O processo de reciclagem consome apenas 5% da energia necessária para a produção primária, uma economia de 95% que reduz drasticamente as emissões de gases de efeito estufa. Nesse quesito, o Brasil desponta como líder global: cerca de 98% do alumínio produzido no país retorna à cadeia, com destaque para a reciclagem de latas, que movimenta cerca de 360 mil toneladas anuais.>
“Este resultado confirma o alumínio como aliado estratégico da economia circular e da descarbonização. O pioneirismo da indústria brasileira transformou resíduos em valor, garantindo competitividade, segurança de suprimento, ganhos ambientais e sociais, além de posicionar o Brasil como referência global em circularidade”, afirma Janaina Donas, presidente-executiva da Associação Brasileira do Alumínio (ABAL).>
Alinhamento com a Agenda Global de Sustentabilidade>
As inovações em Paragominas não são ações isoladas, mas refletem um movimento de modernização do setor mineral brasileiro, alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Recentemente, o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) apresentou compromissos setoriais focados em energia, natureza positiva e descarbonização, posicionando a mineração como parte da solução climática.>
Essa visão foi reforçada durante os debates da COP30, onde ficou evidente que a transição para uma economia verde depende de minerais produzidos com responsabilidade. No painel "O Elo Invisível da Transição", mediado pelo Sindicato das Indústrias Minerais do Estado do Pará (Simineral), o consenso foi de que tecnologias limpas demandam uma mineração que priorize a governança. O próprio Projeto de Lei nº 2.780/2024, que institui a Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos, tramita em regime de urgência para garantir que o Brasil agregue sustentabilidade às suas riquezas.>
Para Carlos Neves, o modelo de Paragominas é replicável em outros empreendimentos de bauxita, desde que haja compromisso com a filosofia de rejeito zero. "A mineração de Paragominas demonstra que a mineração de larga escala pode ser uma força motriz para uma economia mais sustentável", conclui. Ao fechar o ciclo do minério, devolvendo a floresta à terra e entregando infraestrutura sustentável à sociedade, o Pará consolida um modelo de produção capaz de enfrentar os desafios climáticos do século XXI.>