Publicado em 21 de novembro de 2025 às 18:09
Enquanto chefes de Estado debatem metas, prazos e acordos climáticos, uma outra engrenagem faz a COP30 girar, bem mais perto do chão: a da comida que mata a fome de quem está trabalhando, protestando, debatendo e construindo saídas para o futuro do planeta em Belém.>
No Parque da Cidade, onde circulam milhares de pessoas todos os dias, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) virou uma espécie de bastidor invisível da conferência. É ela que garante alimento fresco, barato e saudável para delegações, trabalhadores, voluntários e movimentos populares que ocupam a Cúpula dos Povos e a COP Indígena. E tem um detalhe histórico: pela primeira vez, a agricultura familiar entrou oficialmente no orçamento da ONU como fornecedora de comida em uma conferência do clima.>
Para dar conta do recado, agricultores de todas as regiões do Brasil foram mobilizados, com um peso especial para os produtores da Amazônia. A Conab investiu R$ 1,3 milhão na compra de 146 toneladas de alimentos por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Na prática, isso significa que toda a alimentação da Cúpula dos Povos saiu da agricultura familiar, e que cooperativas indicadas pela estatal garantem pelo menos 30% das refeições servidas nas áreas oficiais da conferência, a Blue Zone e a Green Zone.>
O coração logístico dessa operação fica em Ananindeua. A Unidade Armazenadora da Conab foi aberta especialmente para a COP30: ali chegam, são refrigerados e redistribuídos os produtos, sem cobrança de taxas. O espaço tem capacidade para até 500 toneladas e funciona como um grande pulmão da alimentação do evento, recebendo desde hortaliças colhidas no dia até peixe e frango congelado. Dois contêineres frios completam a estrutura, segurando os produtos que precisam de resfriamento contínuo.>
Nas cozinhas da Cúpula dos Povos, o resultado aparece em forma de prato cheio. São cerca de 21 mil refeições por dia. Voluntária na cozinha, a gaúcha Eliane de Araújo conta que sente, na prática, o efeito da política pública bem ajustada:>
“Tudo que eu peço chega às minhas mãos. É maravilhoso ver comida farta e saudável para tanta gente neste evento internacional”, diz, entre uma panela e outra.>
Do lado de dentro da Blue Zone, o restaurante SocioBio, tocado pela Cooperativa Central do Cerrado e parceiros, virou vitrine da biodiversidade brasileira. Em 30 dias, foram cerca de 100 mil refeições servidas, com um cardápio que mistura ingredientes de diferentes biomas e rende mais de R$ 1 milhão para cooperativas fornecedoras. “É uma alimentação coerente com os propósitos de um encontro global como este”, resume o secretário executivo Luiz Carrazza.>
Para quem produz, ver a comida chegar tão longe é realização pessoal e política. A agricultora Ana Cláudia Souza, da Copabel (Cooperativa Agropecuária de Produtores de Belém do Pará), ainda se surpreende ao saber que o que planta está alimentando gente do mundo inteiro.>
“A gente nunca imaginou que nossos alimentos chegariam tão longe. Dá alegria saber que nosso trabalho faz parte de algo tão grande”, conta.>
E mesmo quando o público vai embora, a comida não é desperdiçada. Na quinta-feira (20), a Conab doou 18 toneladas de alimentos que não foram utilizados na Cúpula dos Povos para cozinhas solidárias de Belém e da Região Metropolitana, reforçando o compromisso com a segurança alimentar de quem vive na cidade-sede da COP.>
O presidente da Conab, Edegar Pretto, vê nessa operação um recado direto ao mundo sobre o que o Brasil quer representar na agenda climática. “Estamos garantindo o abastecimento de pessoas de todo o planeta, como já fazemos no país, inclusive ajudando a retirar o Brasil do Mapa da Fome”, afirma.>
No fim das contas, a COP30 mostra que discutir clima também passa pela panela: valorizar a agricultura familiar, garantir renda para quem vive da terra e colocar comida de verdade no prato de quem está defendendo o futuro do planeta. Porque não existe justiça climática sem comida boa, acessível e produzida por quem sente, na pele, as mudanças do clima.>