Publicado em 18 de novembro de 2025 às 11:05
Belém transformou o próprio rio em sala de aula. Em plena COP30, ancorado na Estação das Docas, o JAC H1, primeiro barco-escola movido a hidrogênio verde do mundo, virou cenário do “Boat Talks, O Futuro que Plantamos: Quando o Turismo Cresce com a Natureza”, na segunda-feira (17). O encontro reuniu governo, especialistas e juventudes para discutir um tema que é cada vez menos abstrato e mais urgente: como fazer o turismo crescer sem atropelar a floresta e quem vive nela.>
A bordo, participaram a secretária-executiva do Ministério do Turismo, Ana Carla Lopes; o nutricionista e especialista em sustentabilidade Daniel Cady; o representante global da juventude na Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima (UNFCCC), Saikat Das; com mediação da jornalista Tainá Aires.>
Turismo que nasce na beira do rio>
Logo no início, Ana Carla cravou uma ideia que pautou toda a conversa: política pública de turismo sustentável não pode ser desenhada só em Brasília. Tem que nascer nos territórios.>
Ela reforçou que povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e outras comunidades tradicionais precisam estar no centro das decisões, não apenas como “atrativo turístico”, mas como protagonistas. “São as comunidades que vivem, protegem e preservam a floresta. Cada uma delas tem algo a ensinar”, disse.>
A secretária contou que o Ministério do Turismo vem tentando virar essa chave com iniciativas como o projeto Experiências do Brasil Original, que oferece capacitação para que povos e comunidades tradicionais organizem suas próprias vivências turísticas: formatem roteiros, recebam visitantes, construam experiências e fortaleçam o turismo de base comunitária, gerando renda sem abrir mão da identidade e da floresta em pé.>
Ela também destacou o simbolismo da cena: discutir crise climática dentro de uma embarcação movida a energia limpa, no coração da Amazônia. “Não estamos em qualquer barco. Estamos em um barco movido a hidrogênio debatendo sustentabilidade na Amazônia. Esse simbolismo ficará marcado na história”, apontou.>
Experiências que curam (e geram renda)>
Daniel Cady levou para o deck do barco exemplos de turismo regenerativo que já acontecem no Brasil, como vivências com abelhas nativas sem ferrão no litoral norte da Bahia. São atividades que devolvem algo aos ecossistemas e às comunidades, em vez de apenas extrair.>
Ele lembrou que o turismo de natureza não é só paisagem bonita para foto: é saúde.>
“O ser humano adoece quando se afasta da natureza. As pessoas buscam experiências que promovam pertencimento, silêncio e conexão”, afirmou.>
Em Belém para a COP30, Cady aproveitou para visitar comunidades ribeirinhas na Ilha do Combu e reforçou a Amazônia como espaço de inspiração, cura e reconexão com o meio ambiente, um contraponto direto ao turismo predatório que lota destinos, gera lixo e quase não deixa benefícios em quem mora ali.>
Clima em linguagem de gente>
Se o assunto é futuro, jovens não podem ficar de fora. E foi exatamente esse o ponto de Saikat Das, representante global da juventude na UNFCCC. Ele chamou atenção para um problema que todo mundo sente, mas pouca gente nomeia: a distância entre a linguagem das negociações climáticas e a vida real.“Existe um abismo entre a linguagem dos formuladores de políticas e a linguagem da população. Comunicação climática precisa ser simples, objetiva e culturalmente acessível”, defendeu.>
Saikat lembrou que os jovens somam cerca de 1,8 bilhão de pessoas no mundo, mas ocupam ainda poucos espaços de decisão. Para ele, a educação climática não começa em conferências internacionais, e sim em casa, nas escolas e nas comunidades e precisa dialogar com as realidades locais, seja na periferia de uma grande cidade ou em uma vila ribeirinha.>
O legado que fica depois que a COP vai embora>
Entre uma fala e outra, o recado sobre o papel do Brasil ficou claro: o país tem cara, corpo e vocação de potência mundial no ecoturismo. Mas isso só se sustenta se houver legado real nas cidades que recebem grandes eventos.>
Nesse ponto, Ana Carla destacou ações que estão sendo implantadas em Belém com promessa de continuidade, como os protocolos de lixo zero em alguns dos principais cartões-postais turísticos da capital: Mercado Ver-o-Peso, Estação das Docas e Mercado de São Brás. A iniciativa, em parceria com a Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), envolve capacitação de trabalhadores para separação e manejo adequado dos resíduos.>
Segundo ela, a ideia é que a rotina de descarte correto não seja só vitrine de conferência, mas prática permanente.“Todos se comprometeram a manter o modelo de forma permanente. Isso é legado de COP”, celebrou.>
Trilhas que ligam conservação e comunidades>
Outro ponto citado pela secretária foi o avanço das trilhas de longo curso brasileiras, com destaque para a Amazônia Atlântica, lançada pelo Ministério do Turismo durante a COP30. A rota conecta unidades de conservação e comunidades em mais de 450 quilômetros no Pará, criando um corredor de experiências de natureza, cultura e aprendizado ambiental.>
Essas trilhas prometem movimentar pequenas economias locais como pousadas familiares, restaurantes simples, guias comunitários e, ao mesmo tempo, fortalecer a proteção de áreas naturais.>
Um rio, um barco, um teste de futuro>
No fim, o Boat Talks a bordo do JAC H1 foi menos um evento protocolar e mais um laboratório de futuro: um barco limpo navegando em águas amazônicas, com governo, especialistas e juventude tentando responder à mesma pergunta, como fazer o turismo crescer junto com a floresta, e não apesar dela.>
Se esse modelo vai se espalhar pelo país, ainda é cedo para saber. Mas, pelo menos em Belém, a COP30 já começou a deixar pistas de um turismo que olha para o rio, escuta quem mora na beira e tenta, de fato, plantar um outro tipo de desenvolvimento.>