Publicado em 7 de junho de 2025 às 23:13
No Médio Xingu, a produção de cacau tem mudado a vida de indígenas ribeirinhos que encontraram no chocolate uma forma de subsistência, empreendedorismo com um toque de sustentabilidade e reconhecimento na sociedade.>
Cada vez mais, a produção de cacau beneficiado e transformado em chocolate de alta pureza tem ganhado espaço no mercado nacional — e até internacional. O Pará lidera esse cenário, sendo um dos maiores produtores de cacau do Brasil. Amêndoas produzidas no estado já foram premiadas internacionalmente e reconhecidas como as melhores do mundo.>
Na região do Médio Xingu, essa realidade também se confirma. Uma indígena tem se destacado com a produção de chocolates feitos com amêndoas selecionadas de forma criteriosa e combinadas com frutas desidratadas. Katyana Xipaya, de 36 anos, líder da Comunidade Jericoá 2, na Volta Grande do Xingu, encontrou no cacau uma maneira de sustentar sua comunidade. Ela é produtora agrícola e dona da marca de chocolate Sídjä Wahiü, que significa “mulher guerreira” em sua língua indígena.>
Para contar essa história de perto, o Roma News foi até Altamira, no sudoeste paraense, e de lá chegou até a comunidade de Katyana, onde ela compartilhou como começou sua relação com o fruto.>
Um novo horizonte para comunidades indígenas ribeirinhas>
Em 2019, sete comunidades indígenas da Volta Grande do Xingu foram reconhecidas como impactadas pela implantação da Usina de Belo Monte — sob responsabilidade da Norte Energia — e consideradas indígenas ribeirinhas. A partir disso, surgiu uma oportunidade de mudança de vida para essas populações.>
Nascida e criada na própria comunidade, a relação de Katyana com o cacau começou por influência do avô, que a ensinou sobre o valor inexplorado do fruto. Após perder o patriarca em 2017, ela enfrentou dificuldades até encontrar no cacau uma forma de superar o luto e a depressão, além de conquistar reconhecimento como representante indígena na sociedade.>
“Tudo isso é reflexo dele. As nossas lutas, nossas batalhas, sempre foi ele que teve à frente. Em 2017 a gente perdeu ele. Mas muitos anos atrás ele já vinha me preparando. Então ele foi sucessivamente nesse período me mostrando o que era para fazer, como era, como a gente tirava, quebrava o cacau, selecionava e botava para plantar”, contou.>
Antes mesmo de iniciar o projeto, ela já havia percebido o grande desperdício de frutas na comunidade — inclusive cacau, abacaxi, banana e pitaia. Com a chegada do projeto Belo Monte Empreende, houve uma mudança de chave e a iniciativa começou a se estruturar.>
“Ele surgiu através da gente observar o desperdício de frutas na comunidade (...) E através desse contexto a gente começou a ter esse trabalho”, relatou.>
A partir desse entendimento, aliado a um olhar empreendedor, Katyana enxergou uma nova possibilidade.>
“A gente apresentou o projeto de fruta desidratada e tinha o cacau. Então fizemos essa parceria. E para a gente é tudo o que queríamos! Vimos algo nascer dentro desse projeto, que a gente esperava algo muito bom, mas não esperava nessa imensidão e tão rápido”, afirmou.>
Reflorestamento e mitigação dos impactos no Médio Xingu>
A produção de cacau também representa uma resposta aos impactos causados pela implantação da Usina de Belo Monte. Para a comunidade de Katyana, a atividade tem garantido renda, segurança alimentar e recuperação de áreas degradadas, antes ocupadas por pastagens.>
Segundo ela, desde 2019 sua comunidade vem recebendo mudas para o replantio de cacau e outras espécies, promovendo a manutenção da floresta em pé. Atualmente, são cerca de 15 mil pés de cacau plantados, de onde saem as amêndoas para a produção do chocolate Sídjä Wahiü.>
“A gente vem consequentemente desde 2019 na atividade plantando, colhendo, fazendo seleção de amêndoa para fazer plantio e replantio”, comentou.>
A iniciativa tem garantido o sustento da comunidade e reforçado a importância da floresta para o futuro da região, ao promover práticas sustentáveis e de valorização ambiental.>
Chocolate com identidade indígena e empreendedorismo>
O chocolate de Katyana é intenso: 72% de cacau e 15% de frutas desidratadas produzidas na própria terra. A técnica de desidratação foi ensinada pelo avô e é usada para aproveitar frutas como abacaxi, banana e pitaia, colhidas nas lavouras da comunidade.>
“Ter uma renda melhor, que a renda a gente já, né, vem mantendo ao longo, mas uma renda melhor, para que a gente possa futuramente, né, ter nossa trajetória andando nessa linha de raciocínio, já ter a nossa geração de renda, ter produtos. É ter realmente um modo de poder ter produtos no mercado, né, ter produtos conhecidos, e ter essa geração de renda realmente das nossas comunidades e das demais comunidades”.>
Do Pará para o Brasil: o reconhecimento da potência indígena>
Com dedicação e esforço, o chocolate Sídjä Wahiü conquistou reconhecimento nacional. Katyana já participou de eventos em várias cidades, como Brasília e Salvador, surpreendendo pela potência de seu produto e pela força do empreendedorismo indígena.>
“A gente já foi Brasília. Tudo através dessa oportunidade que a gente tá tendo, né, e a gente fica feliz, porque quando a gente tá lá nos lugares, a gente recebe as pessoas e ficam muito surpresos. Eu nunca esqueço também que a gente foi Brasília, que chegavam pessoas nos stands e falavam assim para mim que não sabiam que o indígena plantava”.>
Além de causar admiração, Katyana tem inspirado outros indígenas a se empoderarem e verem no cacau uma forma de transformar a realidade de suas comunidades.>
“A gente foi se adaptando e vendo, falando o que a comunidade mais tinha o anseio e o desejo de ser trabalhado, né? Foi aonde a gente sentou, com as demais famílias da comunidade, e a gente traçou, né, essa linha de trabalho. Vamos ter um modo de a gente poder ter renda”.>
Sustentabilidade como base para o futuro>
Além da geração de renda, as comunidades lideradas por Katyana aprenderam que para tirar o sustento da floresta é preciso mantê-la viva. Por isso, têm investido na recuperação de florestas degradadas.>
A estratégia envolve o uso de sistemas agroflorestais, que combinam o cultivo de mandioca, banana, cupuaçu, açaí e o manejo de madeiras como cedro-cheiroso e mogno. Com isso, áreas antes usadas para pasto têm sido restauradas, com redução no uso do fogo e no desmatamento.>
Crescimento sustentável da produção de cacau no Pará>
Katyana representa um movimento maior no estado do Pará, o maior produtor de cacau do país. Entre 2023 e 2024, a produção no estado cresceu 3,8%, saltando de 138.449 toneladas para 143.675 toneladas, segundo o Relatório Anual da Safra de Cacau, do Ministério da Agricultura e Pesca.>
O estado conta com cerca de 31,5 mil produtores, segundo dados da Fapespa. Os municípios que mais se destacam na produção são: Medicilândia, Uruará, Anapu, Brasil Novo, Placas, Altamira, Vitória do Xingu, Senador José Porfírio, Tucumã e Pacajá.>
Estudo da Embrapa revela que o Pará responde por 53% da produção nacional de cacau. Desse total, cerca de 70% provêm de áreas cultivadas por agricultores familiares e em sistemas agroflorestais. Os dados foram obtidos por meio de imagens de satélite, cadastro ambiental rural e pesquisas de campo.>
O cacau paraense no mercado internacional>
O sucesso do cacau paraense no cenário econômico mundial está ligado à sua produção orgânica, livre de agrotóxicos, com forte presença de variedades nativas da Amazônia.>
O cacau nativo se destaca pelas características sensoriais únicas — aroma, textura e sabor — que agregam valor ao produto final. Com isso, o Pará se firma como um dos maiores produtores mundiais, ao lado da Bahia.>
Entre 1998 e 2022, o preço do cacau bruto paraense exportado quase dobrou: passou de US$ 1,60 para US$ 3,40 por quilo, um aumento de 118,4%. Já o cacau em pó — com maior valor agregado — passou a ser mais exportado a partir de 2018, com o preço saltando de US$ 2,20 para US$ 5,20 por quilo, quase o dobro do valor do cacau bruto, segundo a Fapespa.>
O empreendedorismo feminino e sua projeção>
Katyana está entre as mais de 427 mil mulheres que são donas de negócios no Pará, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Desse montante, para cada 100 mulheres, 12 estão à frente de negócios, correspondendo a 12% das mulheres em idade ativa.>
Ainda conforme os dados, o rendimento médio de mulheres empreendedoras no Brasil é de R$ 2.867,00 neste período, enquanto o dos homens foi de R$ 3.793,20. A pesquisa também revela que quase metade das empreendedoras tem entre 30 e 49 anos, e estão concentradas nas atividades de serviços (57%), comércio (25%), indústria (12%), agropecuária (6%) e construção civil (1%).>
No Pará, desde 2022, mulheres empreendedoras são incentivadas pelo programa Sebrae Delas, que busca estimular o empreendedorismo feminino. O programa já alcançou cerca de 2.750 mulheres somente em 2025, em 75 municípios do estado. Essas mulheres receberam capacitações, consultoria e mentoria. Ao todo, mais de 3 mil empreendedoras já foram atendidas pelo programa.>
Assista à história de Katyana Xipaya, indígena, líder, empreendedora, mãe e uma Sídja Wahiü>