Publicado em 9 de setembro de 2025 às 11:19
Em um painel estratégico durante a Cúpula do Clima da África, nesta segunda-feira, 8/9, autoridades globais traçaram os caminhos para uma transição energética justa e acessível, com foco especial na implementação de ações concretas rumo à COP30. O presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, defendeu com convicção que não existe contradição entre desenvolvimento e ação climática.>
“O Brasil está comprometido em usar a COP30 para expandir a percepção de que é possível conciliar acesso energético e combate à mudança do clima”, afirmou. Ele ressaltou que o país, com sua diversidade de realidades, mostra que soluções adaptáveis são viáveis em diferentes contextos – uma mensagem especialmente relevante para a África.>
Corrêa do Lago também enfatizou a urgência de mudar a narrativa global em torno da agenda climática. “Infelizmente, muitas pessoas ainda veem essa transição como antieconomia ou anti-pessoas. Precisamos lembrar que se trata de gerar empregos, crescimento e melhor qualidade de vida”, disse. Sua fala foi um chamado por ações práticas e mensuráveis, alinhadas com metas já estabelecidas, como a triplicação da capacidade de energia renovável e da eficiência energética até 2030, decididas na COP28.>
Urgência por mudanças no debate climático>
Em intervenção marcante durante painel, Richard Muyungi, representante do governo da Tanzânia e presidente do Grupo Africano de Negociadores na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), defendeu que as necessidades básicas do continente africano devem ser o cerne das negociações da COP30, marcando uma mudança histórica no debate climático global. Muyungi destacou que esta é a primeira vez que as discussões climáticas globais colocam no centro os problemas que verdadeiramente importam para a população do continente africano.>
Ele apresentou dados para ilustrar a crise de acesso que assola a África, com cerca de 1 bilhão de pessoas sem acesso a métodos limpos para cozinhar. "Temos mulheres, crianças, não indo para a escola, não sendo produtivos para o continente, simplesmente porque eles passam 10 horas procurando por lenha, e outras 10 horas tentando fazer uma simples refeição", relatou.>
Para Richard Muyungi, estes não são dados abstratos, mas a razão de ser de uma transição energética justa. "Quando você fala de transição no contexto em que negociamos, você precisa ver o que é justo", argumentou. A justiça, para Muyungi, se traduz em metas nítidas. “A Missão 300, que visa fornecer acesso à eletricidade para pelo menos metade destes 600 milhões até 2030”.>
Os números apresentados revelaram a dimensão dramática do desafio. Na África, 600 milhões de pessoas ainda não têm acesso à eletricidade, somados aos que carecem de combustíveis limpos para cozinhar. Globalmente, esse número salta para 2,3 bilhões dependentes de fontes poluentes para preparo de alimentos, com impactos graves na saúde, no meio ambiente e na igualdade de gênero.>
Dymphna Van Der Lans, da Clean Cooking Alliance (Cozinha limpa para bilhões de pessoas), foi direta: “não há universalidade ou justiça sem acesso à cozinha limpa”. Segundo Dymphna, essa realidade exige não apenas inovação tecnológica, mas também financiamento acessível e cooperação internacional.>
COP30 da implementação>
O consenso entre os participantes é que a COP30 precisa ser a conferência da implementação – o momento de transformar discursos em resultados tangíveis. Para isso, será essencial enfrentar barreiras como o alto custo de capital nos países em desenvolvimento, a falta de infraestrutura de rede e armazenamento, e a fragmentação de iniciativas.>
Representantes da Alemanha, Itália e Azerbaijão, entre outros, destacaram a importância de canalizar investimentos concessionais, reduzir riscos percebidos e cumprir os compromissos financeiros já assumidos. Como lembrou Rachel Kyte, representante especial para o clima do Reino Unido: “é hora de priorizar a disciplina e o foco, consolidando e ampliando o que já funciona, em vez de lançar ainda mais siglas e programas desconexos".>
O brasileiro Dan Ioschpe, campeão climático de alto nível para a COP30, defendeu com veemência que a transição energética deve ser sinônimo de acesso e justiça, posicionando esses temas como centrais para a conferência de Belém em 2025. Ioschpe delineou uma visão prática e orientada para resultados. "A COP30 é tudo sobre implementação", afirmou,>
Ioschpe explicou que sua atuação está estruturada em 30 grupos de ativação, cada um focado em objetivos-chave e soluções tangíveis. O campeão climático também alertou para os gargalos críticos de infraestrutura. "Não adianta apenas gerar energia renovável. Estamos num ponto em que não temos para onde escoar essa energia adicional", ilustrou, defendendo investimentos massivos em transmissão e armazenamento.>
A Grande Barragem, símbolo da transição energética na Etiópia>
Entre os projetos citados que mais despertam atenção está a Grande Barragem da Renascença Etíope, o maior empreendimento hidrelétrico da África. Construída no Nilo Azul, a barragem de mais de 1 km de extensão e 145 metros de altura deve dobrar a capacidade de geração de energia da Etiópia e levar eletricidade a milhões de pessoas que ainda vivem sem acesso.>
Além de transformar a matriz energética etíope, a barragem fortalece a integração regional. O excedente de eletricidade já começou a ser exportado para países vizinhos como Sudão do Sul, Quênia e Djibuti, criando um mercado regional de energia limpa e fomentando a cooperação política e econômica.>
Para especialistas, o projeto é um marco da capacidade africana de investir em infraestrutura sustentável sem depender exclusivamente de financiamento externo. Embora controverso em razão de disputas diplomáticas ligadas ao uso das águas do Nilo, a barragem simboliza como a transição energética pode impulsionar a industrialização verde e o desenvolvimento econômico.>
Ao fim do painel, as falas convergiram na mensagem de que a transição energética não é um obstáculo ao desenvolvimento, mas sua principal alavanca. A COP30 em Belém se configura, portanto, não como um fim em si mesma, mas como um ponto de partida essencial para transformar consensos globais em energia limpa, acessível e justa para milhões de pessoas.>
O debate sobre os caminhos para uma transição energética justa foi organizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a Agência Internacional de Energia (IEA).>