No Pará, o caroço de açaí é solução climática; entenda

Resíduos que causavam problema ambiental pelo descarte incorreto substitui o carvão nos fornos e ajudam a reduzir suas emissões de carbono.

Publicado em 2 de setembro de 2025 às 09:54

No Pará, o caroço de açaí é solução climática.
No Pará, o caroço de açaí é solução climática. Crédito: Reprodução

Por falta de destinação apropriada, sempre foi comum ver sacas de caroço de açaí nas calçadas de Belém, especialmente nas periferias. Os restos da fruta processada só tinham uso graças à criatividade da população, que cobria ruas sem asfaltamento com um “tapete” de restos da fruta. 

O Pará produz muito açaí. Em 2024 foi 1,7 milhão de toneladas, de acordo com estimativas da Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas. É impossível ignorar a quantidade de resíduos gerada pela cadeia produtiva do fruto. Apenas 15% a 20% do açaí se transforma no líquido roxo consumido in natura pelos paraenses ou em sorvetes e polpas encontrados no resto do país e mundo afora. Mas o destino do caroço não é mais o lixo. Agora ele está dando origem a um negócio lucrativo.

Uma tonelada dessa parte não-comestível da fruta é vendida por cerca de R$ 180, segundo Pedro da Mata, fundador da PHS da Mata, uma empresa que coleta as sobras das indústrias processadoras da região metropolitana de Belém. Com 30 caminhões e 60 funcionários, a PHS faz a ronda por 50 companhias e também recolhe as sacas que eram deixadas nas ruas, ajudando a reduzir o acúmulo nas áreas urbanas.

O carregamento passa por um processo de secagem e fermentação natural que dura três meses. Depois, tem um destino improvável: fornos da indústria pesada. As empresas que já adotaram este processo, compram o material para substituir parte do combustível de origem fóssil que tradicionalmente é usado pelas cimenteiras.

Na planta de Primavera, município localizado no nordeste paraense, a biomassa local substitui 64% do carvão. A troca é essencial para a empresa atingir suas metas de descarbonização. O processo de calcinação de calcário resulta no clínquer, a matéria-prima básica do cimento. O subproduto são enormes quantidades de CO₂. Estima-se que a indústria cimenteira seja responsável por 7% das emissões globais de gases de efeito estufa. Na média mundial, cada tonelada de cimento produzida gera em 620 kg de CO2 lançados na atmosfera.

Nesta fábrica, o número é de 550 kg por tonelada. A empresa quer chegar a 475 kg/tonelada em 2030, conforme o plano aprovado pela Science Based Target initiative, entidade que confere o selo mais prestigioso para as estratégias climáticas corporativas. O caroço do açaí ajuda na conta.

A empresa, que responde por 7% da produção nacional da companhia, cortou em 22% sua pegada de carbono com a mudança de parte do combustível, consumindo 48 mil toneladas de caroço de açaí por ano. É uma parte pequena do total desse resíduo gerado no Pará. Mas a PHS está abrindo novos mercados do outro lado do Atlântico.

Em 2024, a empresa fez as primeiras exportações para Portugal e já tem embarques programados para a Espanha, onde a biomassa também vai substituir combustíveis fósseis. Os dois países fazem parte do mercado regulado de carbono da União Europeia, que impõe tetos de emissões para os setores mais poluidores. Lá, a descarbonização é mandatória.

O Brasil está regulamentando um sistema semelhante, o que pode significar mais demanda futura para essa matéria-prima que era desprezada. “Antes havia montanhas desse resíduo por todos os lados. Agora, o caroço tem valor”, diz Pedro da Mata.

Descarbonização

O caroço de açaí não é suficiente para que as empresas envolvidas eliminem todas as emissões de seu processo produtivo. Existem limites técnicos. “Já alcançamos cerca de 70% de substituição em alguns processos, mas chegar a 100% é difícil, pois a geração de calor da biomassa varia muito dependendo de fatores como a umidade. O coque de petróleo é sempre homogêneo”, afirma Fábio Cirilo, gerente global de sustentabilidade de uma das empresas. Mas toneladas de emissões evitadas não são a única medida que a empresa acompanha. Em mercados sujeitos à precificação do carbono, usar um combustível mais limpo é questão de competitividade.

“O carbono impacta bastante. O custo [para cumprir as obrigações do mercado regulado] pesa muito no preço final. Na Espanha, faz sentido até mesmo pagar mais caro para usar biomassa. Deixar de pagar 80 euros por tonelada de carbono faz muita diferença ”, afirma ele.

A experiência paraense é só parte da importância da biomassa para as empresas, que possuem unidades de gestão de resíduos que transformaram em energia 1,1 milhão de toneladas de restos orgânicos somente em 2024, evitando a emissão de 1,2 milhão de toneladas de CO2.

Inovação tecnológica

O aproveitamento do caroço de açaí pelas indústrias é mais que uma alternativa de descarbonização. A fruta tornou-se um vetor de inovação tecnológica. Pesquisas da Universidade Federal do Pará já demonstram a viabilidade do resíduo como mistura na composição do asfalto – e não estamos falando da cobertura improvisada em ruas de terra.

Os novos usos também eliminam um custo importante para as empresas que processam o açaí. Uma das maiores empresas do setor na região, tinha que pagar para descartar as sobras, que muitas vezes acabavam de forma irregular em lixões, matas e rios.

“O tratamento do caroço era um problema sério e gerava desafios ambientais significativos. Todo mundo sai ganhando agora”, diz o diretor operacional, Maurício Nunes.

Segundo ele, a parceria com empresas especializadas em reaproveitamento de resíduos não só retirou das mãos da indústria a responsabilidade pelo destino do caroço, como transformou um passivo em ativo. A cada dia, a empresa tem de lidar com 150 toneladas de caroços.

A adoção da biomassa a partir do caroço de açaí reduz o volume de resíduos depositados de forma irregular em Belém, uma cidade que ainda não cumpriu os requisitos da Polícia Nacional de Resíduos Sólidos, além de diminuir a necessidade do envio para aterros sanitários, um caminho caro e limitado na capital paraense.