Publicado em 1 de novembro de 2025 às 15:25
Uma equipe de cientistas brasileiros e estrangeiros identificou um novo tipo de coronavírus em morcegos do Brasil com uma característica em sua proteína spike similar à encontrada no Sars-CoV-2, o vírus causador da covid-19. Esse atributo é um dos que permitem ao SARS-CoV-2 infectar de forma eficiente as células humanas.>
A descoberta, no entanto, ainda é preliminar e não confirma que esse novo coronavírus seja capaz de contaminar humanos nem de provocar epidemias.>
O achado foi detalhado em um artigo científico publicado na segunda-feira, 27, na forma de pre-print na plataforma bioRxiv, ou seja, ainda não foi revisado por outros cientistas. No entanto, ele levanta o alerta para a circulação de novos patógenos potencialmente capazes de causar surtos.>
A pesquisa também joga um holofote na importância de monitoramento genético mais amplo de vírus na América do Sul - até agora, os coronavírus associados a surtos de importância para a saúde pública tinham sido identificados principalmente na Ásia.>
O estudo, liderado por cientistas de instituições do Japão, Brasil e outros países, analisou amostras de tecido intestinal de diferentes espécies de morcegos encontrados em áreas rurais e de floresta do Maranhão e de São Paulo.>
Ao sequenciar o material genético, os cientistas encontraram, em um morcego da espécie Pteronotus parnellii do município de Riachão (MA), um genoma viral com grande semelhança com coronavírus como o SARS-CoV-2, o da covid-19, e o MERS-CoV, causador de um surto de uma síndrome respiratória no Oriente Médio em 2012.>
O achado mais significativo no genoma desse novo vírus, que teve como nome sugerido BRZ batCoV, foi a presença de uma sequência de aminoácidos que forma o chamado sítio de clivagem da furina, um ponto que é reconhecido por uma enzima humana (a furina) capaz de ativar a proteína spike do vírus, que funciona como uma espécie de chave usada pelo vírus para "abrir a fechadura" da célula humana e infectá-la.>
Esse sítio funciona como ferramenta molecular que pode facilitar a entrada do vírus nas células. No caso do SARS-CoV-2, acredita-se que essa estrutura tenha contribuído para a alta capacidade de transmissão do vírus.>
"Dado o papel crucial do sítio de clivagem da furina em determinar o alcance de hospedeiros, a infectividade e a capacidade de transmissão entre espécies, essa descoberta fornece informações importantes sobre o potencial evolutivo e o risco zoonótico do BRZ batCoV encontrado em morcegos", escreveram os autores no artigo.>
Os pesquisadores destacaram ainda que sítios de clivagem da furina já foram identificados nas proteínas de superfície de outros vírus de RNA altamente patogênicos, como vírus causadores da gripe aviária e o do Ebola.>
"Esses exemplos reforçam que a aquisição de sítios de clivagem da furina é uma adaptação evolutiva que pode surgir de forma independente em diversas famílias de vírus de RNA - frequentemente associada a um aumento do potencial de patogenicidade", dizem no artigo.>
Apesar disso, eles destacam que não há ainda qualquer evidência de que o novo vírus infecte pessoas. O achado, segundo eles, reforça a importância da vigilância viral em animais silvestres, especialmente em regiões tropicais sub-amostradas, como a América do Sul, onde há grande diversidade de morcegos e de ecossistemas propícios à emergência de novos vírus.>
Eles ressaltam ainda que os resultados sugerem que outros sítios de clivagem da furina "podem surgir naturalmente em morcegos por meio de eventos de recombinação ou mutações de inserção, reforçando o papel desses animais como possíveis reservatórios de inovações genéticas relevantes para a emergência de doenças zoonóticas".>
Os morcegos são reservatórios naturais conhecidos para vasta gama de vírus, incluindo os coronavírus que causaram a SARS, a MERS e a covid-19. No entanto, a maioria das pesquisas até agora está concentrada em populações de morcegos na Ásia, África e Oriente Médio.>