Estudo aponta que 300 mil crianças brasileiras perderam pais ou cuidadores devido à Covid-19

Estudo internacional revela impacto silencioso da Covid-19 e alerta para a falta de políticas públicas voltadas aos órfãos da pandemia.

Publicado em 26 de outubro de 2025 às 18:12

Estudo aponta que 300 mil crianças brasileiras perderam pais ou cuidadores devido à Covid-19
Estudo aponta que 300 mil crianças brasileiras perderam pais ou cuidadores devido à Covid-19 Crédito:  ALTEMAR ALCANTARA/SEMCOM/PREFEITURA DE MANAUS

Mais de dois anos após o auge da pandemia de Covid-19, o Brasil ainda contabiliza perdas que vão além dos 700 mil mortos oficialmente registrados. Um estudo conduzido por pesquisadores do Brasil, Reino Unido e Estados Unidos revela um dado devastador: 284 mil crianças e adolescentes brasileiros perderam pais, mães ou cuidadores diretos em decorrência do vírus entre 2020 e 2021. Ao todo, 149 mil delas ficaram órfãs de pai, mãe ou de ambos.

A pesquisa, que combina dados demográficos e estatísticos sobre mortalidade e natalidade, buscou dimensionar o impacto da pandemia na estrutura familiar brasileira. Os cientistas destacam que a orfandade infantil é uma das consequências menos visíveis das crises sanitárias, mas talvez uma das mais duradouras. Idosos que exerciam papel de cuidado nas famílias, especialmente avós, foram duramente atingidos, deixando lacunas profundas no cotidiano de milhares de lares.

De acordo com o levantamento, 1,3 milhão de jovens de até 17 anos perderam, por motivos diversos, um ou ambos os pais, ou algum responsável que morava na mesma casa durante o período analisado. Dentro desse universo, os casos ligados diretamente à Covid-19 representam mais de um quinto. Em média, 2,8 crianças por mil ficaram órfãs de um dos pais ou de outro cuidador devido ao vírus.

Os impactos variam significativamente entre os estados. Mato Grosso (4,4 por mil), Rondônia (4,3) e Mato Grosso do Sul (3,8) registraram as principais taxas de orfandade. Na outra ponta, Pará (1,4), Santa Catarina (1,6) e Rio Grande do Norte (2,0) apresentaram os índices mais baixos.

A professora Lorena Barberia, da Universidade de São Paulo (USP) e uma das autoras do estudo, destaca que as consequências da pandemia não se encerram com o controle do vírus. Para ela, o desafio agora é lidar com o legado social da Covid-19, que deixou uma geração de órfãos sem amparo adequado. Segundo a pesquisadora, as crianças que perderam pais ou responsáveis enfrentam maior vulnerabilidade emocional e financeira, especialmente nos casos onde o falecido era o provedor da família.

O drama é ilustrado por histórias como a de Bento, hoje com 8 anos. O menino perdeu o pai, o fotógrafo Cláudio da Silva, em 2021, após uma rápida internação por Covid-19. A mãe, Ana Lúcia Lopes, relembra que o companheiro não tinha doenças pré-existentes, sendo infectado durante uma viagem de trabalho. O luto do filho veio em ondas, misturado à dificuldade de compreender a ausência repentina. Somente após o início do acompanhamento psicológico, Bento começou a expressar a falta do pai com mais clareza.

Casos como o de Bento se repetem em todo o país, e o número de órfãos tende a ser ainda maior ao considerarem os que perderam avós ou tios responsáveis por seus cuidados. A promotora Andréa Santos Souza, que atua na Vara da Infância e Juventude em Campinas (SP), percebeu a gravidade da situação já em 2020, quando os pedidos de guarda cresceram exponencialmente. Ao investigar as certidões de óbito de vítimas da Covid-19 na cidade, ela identificou quase 500 crianças sem responsáveis legais.

Com a colaboração de Andréa, os pesquisadores puderam cruzar os dados do estudo com informações oficiais dos cartórios brasileiros. A Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen) identificou 12,2 mil crianças de até seis anos que ficaram órfãs de pai ou mãe devido à Covid-19 entre março de 2020 e setembro de 2021. Esses números, embora parciais, reforçam a precisão das estimativas.

A pandemia também evidenciou a desigualdade social que marca o país. A maioria dos mortos que deixaram filhos eram trabalhadores de serviços essenciais, como limpeza, alimentação, transporte e comércio informal, que não tiveram a possibilidade de se isolar. Já entre os profissionais da saúde, muitos também sucumbiram ao vírus no exercício do trabalho, ampliando a tragédia para famílias que viviam da renda desses provedores.

Os pesquisadores alertam que, mesmo após o fim da emergência sanitária, a ausência de políticas públicas específicas para essas crianças continua sendo um problema urgente. Ainda que programas sociais como o Bolsa Família ofereçam algum suporte, o país carece de estratégias voltadas à assistência psicológica e educacional de longo prazo.

Com informações da Agência Brasil.