Sônia Maria: conheça a mulher negra e surda que segue escravizada em SC

Mulher negra, surda e com visão monocular, viveu quase quatro décadas em regime abusivo em Santa Catarina.

Publicado em 17 de novembro de 2025 às 09:35

Sônia Maria: conheça a mulher negra e surda que segue escravizada em SC
Sônia Maria: conheça a mulher negra e surda que segue escravizada em SC Crédito: Reprodução/Redes Sociais

A revelação das circunstâncias que envolveram a vida de Sônia Maria de Jesus, mulher negra, com deficiência auditiva e visão monocular, reacendeu um alerta antigo, mas frequentemente abafado: o trabalho escravo no Brasil não é apenas um resquício do passado, e sim uma prática que se reinventa e atravessa gerações. O caso, que revisitou após o resgate da vítima em 2023, mostra como vulnerabilidades múltiplas se transformaram, por décadas, em ferramenta de exploração.

Sônia viveu cerca de 40 anos submetida a um regime de absoluta dependência em uma residência em Santa Catarina, atuando como empregada doméstica sem receber salário, sem folgas e sem qualquer direito básico. A situação só foi encerrada após uma denúncia anônima, que levou à operação de resgate. No entanto, o episódio ganhou contornos ainda mais dramáticos quando a Justiça determinou que ela poderia retornar ao convívio da mesma família investigada por explorá-la.

Laudos psicológicos e sociais anexados ao processo indicam que Sônia não domina Libras, não sabe ler, não possui autonomia para atividades cotidianas e tem compreensão limitada sobre sua própria condição. Mesmo assim, a decisão judicial ignorou alerta sobre sua extrema vulnerabilidade e permitiu que ela voltasse ao ambiente de risco, atitude que especialistas classificam como violação ao princípio básico de proteção à vítima.

A família que mantinha Sônia em situação degradante inclui um desembargador. A esposa do magistrado chegou a ser inserida na “lista suja” do trabalho escravo, cadastro do governo federal que reúne empregadores flagrados em exploração laboral. Ainda assim, a presença de um agente do Judiciário no núcleo familiar levantou questionamentos sobre possível desequilíbrio de poder e influência no tratamento dado ao caso.

Segundo dados do Ministério do Trabalho, milhares de trabalhadores são resgatados todos os anos em condições semelhantes, a maioria pessoas negras, pobres e com baixa escolaridade. O caso de Sônia, porém, ultrapassa estatísticas: ele escancara como a violência pode se perpetuar quando instituições falham em reconhecer e enfrentar desigualdades profundas.