Belém festeja o Dia Municipal do Carimbó nesta terça-feira

O ritmo, que faz parte da identidade cultural de Belém, tem uma longa história que remonta ao período da colonização portuguesa.

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Agência Belém

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Publicado em 26 de agosto de 2025 às 12:36

O Dia Municipal do Carimbó é comemorado nesta terça-feira (26). 
O Dia Municipal do Carimbó é comemorado nesta terça-feira (26).  Crédito: Agência Belém

O Dia Municipal do Carimbó é comemorado nesta terça-feira (26). Patrimônio cultural imaterial do Brasil desde 2014, o carimbó é mais do que um ritmo: faz parte da história da formação de Belém e do Pará. Ele atravessa espaços e tempos, organiza relações sociais, está intimamente ligado às religiosidades de matrizes africanas e indígenas e possui uma longa trajetória, que remonta ao período da colonização até se consolidar como símbolo da identidade cultural paraense. 

Este dia é comemorado no dia do aniversário do Mestre Verequete, considerado o “Rei do Carimbó”. Verequete é um dos principais responsáveis por popularizar o gênero musical em Belém, até então mais comum no litoral paraense.

Segundo o antropólogo e professor de sociologia da Universidade Federal do Pará (UFPA) Andrey Faro de Lima, o carimbó surgiu das relações entre os povos indígenas e os africanos escravizados trazidos para o Pará no século XVI. As etnias misturaram seus ritmos, danças e, principalmente, seus batuques.

“A colonização do Brasil trouxe expressões indígenas e africanas associadas aos batuques. Nós temos o samba na Bahia e no Rio de Janeiro, por exemplo, o maracatu em Recife e o carimbó na Amazônia”, explica Faro, que foi um dos pesquisadores responsáveis pelo processo que tornou o carimbó patrimônio cultural imaterial do Brasil.

A etimologia da palavra está diretamente ligada ao batuque. O termo vem do Tupi korimbó (ou curimbó), que significa “pau que produz som”. Refere-se a um tambor artesanal, produzido a partir de um tronco de madeira oco, no qual se batuca enquanto as pessoas dançam.

Mas o ritmo, hoje tão popular na cultura da cidade, nem sempre teve esse reconhecimento. Segundo o antropólogo, até o início da década de 1970, o carimbó era associado às classes populares, aparecia pouco na capital e era tocado principalmente nos municípios do litoral paraense. “Ele era dançado e tocado sobretudo nos meses de dezembro e janeiro, durante as festividades do catolicismo popular”, explica Faro.

As festividades católicas populares eram celebrações religiosas praticadas pelo povo, na tradição religiosa, mas diferentemente da liturgia oficial cristã, eram marcadas pelo sincretismo religioso, misturando elementos do cristianismo com crenças afro-indígenas. O carimbó, portanto, sempre esteve inserido nesse contexto de celebrações do povo.

Era, assim, um ritmo marginalizado, associado aos guetos e tocado principalmente no interior, distante da vida cultural da capital. Foi no início dos anos 1970 que o carimbó começou a ganhar espaço em Belém, impulsionado pelos mestres Verequete, Pinduca e Lucindo.

“Havia até uma disputa: diziam que o Pinduca fazia um ‘falso’ carimbó, enquanto o mestre Lucindo era considerado o verdadeiro carimbó”, conta Faro. Esse impasse começa a se desfazer quando, em 1971, Mestre Verequete lança, junto ao grupo Uirapuru da Amazônia, seu primeiro disco: O legítimo carimbó.

Ainda assim, segundo pesquisas do professor Andrey Faro, o carimbó não se tornou imediatamente símbolo da cultura paraense ao chegar à capital. Continuava sendo apreciado por um público restrito, de camadas populares. Era, portanto, uma cultura de resistência, marginal, mas persistente.

A virada ocorreu nos anos 2000, quando o ritmo começou a ser incorporado por outras camadas sociais e passou a ser reconhecido como parte da identidade cultural de Belém. Isso se deve, em parte, à popularização do gênero por músicos renomados.

“A projeção das guitarradas foi fundamental. A popularização dos mestres Vieira, Curica e Aldo Sena, que tocam guitarradas, ritmo que é uma fusão do carimbó com outras referências musicais, também foi essencial para essa popularização do carimbó em Belém. Cantoras como Fafá de Belém e Gaby Amarantos retomam o carimbó, e surgem espaços na cidade dedicados à dança do ritmo”, destaca Faro.

Coisas de Negro: uma das primeiras casas de carimbó em Belém

Uma das primeiras casas voltadas exclusivamente para o carimbó em Belém é a Coisas de Negro, localizada em Icoaraci. Comandada há 32 anos por Raimundo da Silva, de 67 anos, mais conhecido como Nego Ray, o espaço foi pioneiro na valorização do gênero na capital.

“Digo com convicção que o Coisas de Negro foi o primeiro espaço em Belém dedicado ao carimbó, abrindo caminho para o surgimento de novos grupos e casas voltadas ao ritmo”, afirma Nego Ray.

Em 19 de janeiro de 2000, ele criou o Movimento Roda de Carimbó visando divulgar o gênero tanto em Icoaraci quanto em Belém. Desde então, o Coisas de Negro promove todos os domingos, a partir das 18h, uma festa dedicada exclusivamente ao carimbó, com apresentação do Coletivo Carimbó de Icoaraci.

Nego Ray conta que o espaço se tornou referência local e internacional. “Recebemos muitos turistas. Quando eles chegam à cidade e perguntam onde podem conhecer o carimbó, sempre são indicados a virem ao Coisas de Negro”.

Além das festas, o mestre vive o carimbó intensamente em seu dia a dia: ministra oficinas de produção de instrumentos e ensina os alunos a tocar, sempre explicando a história do ritmo e a importância cultural de cada instrumento.

Com a aproximação da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP 30), que atrairá milhares de turistas a Belém, Nego Ray quer mostrar o carimbó para o mundo. Por isso, durante o evento as rodas de carimbó no Coisas de Negro ocorrerão também aos sábados. Nesses dias, os visitantes poderão acompanhar oficinas de produção de instrumentos e indumentárias, com explicações históricas.

Muito mais que um gênero musical, o carimbó atravessa a história da formação de Belém e do Pará. Está intimamente ligado às práticas culturais e religiosas afro-indígenas, organiza relações sociais, foi por muito tempo marginalizado e alvo de preconceito, até ser reconhecido como identidade cultural paraense.

Hoje, o carimbó “virou pertencimento do que é ser ou não ser de Belém. Assim como o Círio de Nazaré e o açaí com peixe frito. O carimbó faz parte da identidade do que é ser paraense”, diz o professor da UFPA Andrey Faro. E tudo graças, principalmente, ao Mestre Verequete. Viva Verequete!