Publicado em 9 de março de 2025 às 09:03
Para muitas mulheres a maternidade é uma dádiva, mas também traz desafios — especialmente para aquelas que enfrentam a chamada tripla jornada: cuidar dos filhos, trabalhar fora e administrar as responsabilidades domésticas. Essa rotina exaustiva tem causado, além do sentimento de culpa, problemas de saúde, evidenciando a necessidade de uma redistribuição das tarefas familiares.>
Essa realidade foi destacada no estudo Estatísticas de Gênero: Indicadores Sociais das Mulheres no Brasil, publicado pelo IBGE em março de 2024. A pesquisa revelou que mulheres que trabalham fora dedicam quase 80% a mais do seu tempo aos afazeres domésticos em comparação aos homens.>
A psicóloga Yasmin Borges, que atua na Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará, em Belém, acompanhando mães da gestação ao pós-parto, compartilhou com o Roma News as principais queixas de suas pacientes: solidão, sobrecarga física e emocional, além do medo do futuro e da insegurança em enfrentar sozinhas a chegada de um novo filho.>
“Essas mudanças no ciclo vital são vividas como uma crise, onde sentimentos como ansiedade, tristeza e estresse são comuns até certo ponto. No entanto, transtornos típicos do puerpério, como depressão pós-parto, baby blues (melancolia da maternidade), psicose puerperal e transtornos de ansiedade podem surgir, principalmente quando há fatores de risco, como histórico de transtornos psicológicos”, explica a especialista.>
A autônoma Magali Souza, 39 anos, é mãe de duas meninas: Júlia Beatriz, de 14 anos, e Lívia, de 4. Com uma rotina de trabalho que se estende das 8h às 20h — e, muitas vezes, por mais tempo —, ela precisa equilibrar os compromissos profissionais com os cuidados das filhas, como levá-las à escola e às atividades extracurriculares.>
“Tenho passado mal ultimamente. Já precisei ir à emergência por imunidade baixa, porque estou me alimentando mal, comendo às pressas. Não tenho tempo para fazer refeições adequadas, às vezes só chego e durmo”, relata.>
Mesmo sendo casada e dividindo algumas tarefas com o marido, que trabalha em dois empregos, a carga ainda é pesada. Ele costuma preparar as refeições para a família, mas Magali sente a falta de uma rede de apoio>
“Moro em Minas Gerais e minha família está em Belém. Isso faz muita diferença. Ter uma rede de apoio é fundamental, mas faço o que posso para me virar”, diz.>
Segundo a psicóloga Yasmin Borges, mulheres que enfrentam jornadas múltiplas podem ter a saúde física, emocional e psicológica comprometida, manifestando estresse, exaustão, alterações no sono, na alimentação e no humor. Em casos mais graves, podem até desenvolver ideação suicida.>
“Esse contexto social, que reflete a realidade de muitas mulheres no Brasil, pode levar ao adoecimento. Isso acontece porque, culturalmente, as mulheres foram ensinadas a priorizar o cuidado com os outros antes de cuidarem de si mesmas”, pontua Yasmin.>
A sociedade ainda impõe às mulheres o papel de cuidadoras, incluindo a maternidade. Paradoxalmente, não oferece suporte adequado para que esse papel seja exercido sem sobrecarga, deixando muitas mães sem redes de apoio estruturadas nas esferas familiar, econômica e social.>
A dona de casa Jamille Boiba, 28 anos, é mãe de José Neto, de 2 anos, e está grávida de 8 meses do segundo filho. Ela cuida da casa e dos filhos, dividindo as tarefas com o marido, que trabalha fora.>
“Não tenho rede de apoio, mas meu esposo é tão responsável quanto eu”, enfatiza.>
Ela reconhece a importância de contar com pessoas de confiança para ajudar na rotina, mas, como não tem essa possibilidade, criou uma estrutura organizada para evitar sobrecarga.>
Mesmo sem um trabalho formal fora de casa, Jamille sente os impactos da maternidade. “Fisicamente e mentalmente, é cansativo. A gestação exige muito do corpo, e cuidar de um filho pequeno ao mesmo tempo intensifica isso. Mentalmente, decidi não me preocupar com o futuro e viver cada fase conforme ela chega”, conta.>
Se pudesse mudar algo em sua experiência como mãe, ela escolheria eliminar a culpa. “Nós nos cobramos muito, sempre achamos que poderíamos fazer mais. Mas sei que, se meu filho está bem alimentado, saudável e feliz, isso é o mais importante.”>
A psicóloga Yasmin Borges ressalta que as mulheres que escolhem maternar enfrentam múltiplas pressões sociais, como a necessidade de recuperar rapidamente o corpo pós-gestação, a negação da sexualidade durante a gravidez e julgamentos sobre a criação dos filhos. Além disso, há a cobrança para serem “mulheres-maravilha” que dão conta de tudo.>
“Essas ideias, enraizadas há gerações, ainda persistem e afetam a autoimagem, a autoestima e a saúde mental das mulheres. Isso pode gerar estresse, ansiedade, frustração e até influenciar suas escolhas, levando-as a ceder a essas pressões”, analisa Yasmin.>
Por isso, garantir suporte emocional e liberdade de escolha é essencial para romper com esses paradigmas e reconhecer que cada mãe tem sua própria trajetória, desafios e singularidades.>