'Cuidar de quem cuida é uma responsabilidade pública': a trajetória de Silvane Ferraz e o novo olhar sobre o cuidado em Belém

Primeira Secretária Municipal da Mulher transforma o cuidado em pauta de governo e coloca Belém como referência nacional em políticas voltadas às mulheres

Publicado em 29 de outubro de 2025 às 16:52

Primeira Secretária Municipal da Mulher transforma o cuidado em pauta de governo e coloca Belém como referência nacional em políticas voltadas às mulheres
Primeira Secretária Municipal da Mulher transforma o cuidado em pauta de governo e coloca Belém como referência nacional em políticas voltadas às mulheres Crédito: Reprodução

Nascida entre Belém e a região metropolitana, Silvane Ferraz cresceu cercada por mulheres que sustentavam a casa, trabalhavam fora e, ainda assim, assumiam sozinhas o peso do cuidado. A mãe e a avó foram suas primeiras referências e também o ponto de partida de uma inquietação que moldaria sua trajetória. “Elas cuidavam de todos e não deixavam a peteca cair, mas quem cuidava delas?”, costuma questionar.

Desde jovem, Silvane trabalhou no comércio da família e mais tarde formou-se em Direito e Administração. Casou-se, teve dois filhos e passou anos atuando nos bastidores dos negócios da casa e da clínica do marido. Até perceber que a mesma lógica que confinava tantas mulheres ao cuidado invisível se repetia em sua própria vida. “Entendi que só com mulheres ocupando espaços de poder conseguiríamos mudar essa realidade e criar políticas públicas para nós mesmas”, conta.

Em 2023, Silvane foi eleita a vereadora mais votada de Belém e, pouco depois, tornou-se a primeira Secretária Municipal da Mulher. Ao assumir o cargo, fez um compromisso claro: transformar o cuidado, historicamente invisível, em uma prioridade de governo. “Cuidar de quem cuida é uma responsabilidade pública”, afirma.

À frente da Secretaria, ela implantou o Comitê Municipal de Políticas de Cuidado de Belém, criado a partir do projeto Ver-o-Cuidado, desenvolvido em parceria com a ONU Mulheres. A iniciativa colocou Belém na história como a primeira cidade brasileira a implementar um sistema municipal de cuidados, reconhecendo oficialmente essa atividade como parte essencial da economia e da vida social.

O Comitê reúne representantes do governo e da sociedade civil em um espaço de diálogo e formulação de políticas. Cuidadoras, trabalhadoras domésticas, profissionais da saúde e lideranças comunitárias compartilham experiências e ajudam a transformar o cuidado em uma política pública estruturante. Para Silvane, o avanço representa uma virada de paradigma. “Fico feliz com essa parceria com a ONU Mulheres, que confiou a nós a execução desse projeto. É um compromisso enorme com as mulheres e com o futuro de Belém. A sociedade ainda é muito machista, e só mudaremos isso com políticas públicas voltadas para as mulheres”, reforça.

O reconhecimento do cuidado como trabalho é uma pauta global. Em 2023, a ONU instituiu o Dia Internacional do Cuidado, celebrado em 29 de outubro, para valorizar essa atividade que sustenta economias e famílias em todo o mundo. Em Belém, um diagnóstico do projeto Ver-o-Cuidado revelou que as mulheres da capital dedicam, em média, 11,7 horas por dia a atividades de cuidado, somando o trabalho remunerado e o não remunerado. O dado evidencia a sobrecarga e a urgência de políticas que redistribuam essas responsabilidades.

Para a representante interina da ONU Mulheres Brasil, Ana Carolina Querino, “transformar os sistemas de cuidado é pré-condição para alcançar a igualdade de gênero e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”. O projeto desenvolvido em Belém dialoga diretamente com essa agenda global e inspira políticas semelhantes em outras cidades do país.

Com a aproximação da COP30, que será sediada em Belém, Silvane vê uma oportunidade de ampliar o alcance dessa discussão. “Não há justiça climática sem igualdade de gênero. Cuidar das pessoas e cuidar do planeta é parte da mesma luta”, afirma. Para ela, políticas de cuidado também são políticas ambientais, pois fortalecem redes de apoio, estimulam a autonomia econômica das mulheres e reconhecem o trabalho doméstico como base da sustentabilidade social.

Silvane define sua trajetória como a de quem saiu dos bastidores para ocupar o centro da cena. Mãe, gestora e mulher, representa uma geração que faz do cuidado um ato político. “Durante muito tempo, as decisões foram tomadas por quem nunca precisou escolher entre trabalhar e cuidar de um filho doente. Precisamos estar lá  nas câmaras, secretarias e prefeituras, para garantir que o cuidado seja uma prioridade pública.”

Neste Dia Internacional do Cuidado e Apoio, sua história ajuda a iluminar o que muitas vezes permanece invisível. O cuidado não é apenas um gesto de afeto, é trabalho, um trabalho que move a economia e sustenta a vida. Em Belém, o projeto Ver-o-Cuidado mostra que é possível mudar essa realidade quando o Estado decide enxergar o cuidado como parte essencial da estrutura social. Valorizar quem cuida é mais do que justiça histórica. É o caminho para um futuro em que o cuidado esteja, como sempre esteve, no centro que mantém o mundo em movimento.