Ministério Público denuncia empresas após agressão a fiscal do Ibama no Pará

No total, 33 pessoas e 10 empresas passaram a responder a ações penais por crimes ambientais em Uruará e região.

Publicado em 12 de dezembro de 2025 às 14:11

Ponte foi queimada para obstruir a passagem de fiscais.
Ponte foi queimada para obstruir a passagem de fiscais. Crédito: Divulgação

A Justiça Federal deu início ao processo para julgamento de 33 pessoas e 10 empresas acusadas pelo Ministério Público Federal (MPF) de envolvimento em um complexo esquema de exploração ilegal de madeira em Uruará–PA e região. As denúncias são desdobramentos da Operação Hardwood, investigação que desarticulou uma organização criminosa após um episódio de violência contra agentes de fiscalização ambiental ocorrido em maio de 2020.

A decisão judicial, que é chamada juridicamente de recebimento das denúncias, foi proferida no final de novembro e divulgada pelo MPF nesta sexta-feira (12). Foi confirmada a competência da Justiça Federal para julgar o caso, tendo em vista que os crimes feriram interesses da União, incluindo a agressão a servidor federal e a extração de recursos em terras públicas e em terras indígenas.

Início das investigações

As investigações tiveram início a partir de um evento ocorrido em 5 de maio de 2020, durante uma fiscalização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em uma gleba federal do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Na ocasião, fiscais apreenderam maquinário pesado (tratores e caminhões) e 60 toras de madeira nobre (ipê e cumaru).

O transporte dos bens apreendidos para a cidade de Uruará foi interrompido por uma emboscada, relata, nas denúncias, o procurador da República Gilberto Batista Naves Filho. Um grupo de manifestantes, identificando-se como madeireiros, bloqueou uma ponte com pneus em chamas. Durante a ação violenta, um fiscal do Ibama foi atingido no rosto por uma garrafa de vidro, ferimento que forçou a equipe a recuar para buscar atendimento médico. Aproveitando-se da situação, os manifestantes subtraíram os caminhões e as motocicletas que haviam sido apreendidos.

O que inicialmente parecia um protesto espontâneo foi identificado pelo MPF e pela Polícia Federal (PF) como uma ação orquestrada por uma organização criminosa estruturada. As apurações, que envolveram quebra de sigilo telefônico e telemático, revelaram que o episódio serviu para encobrir uma vasta rede de ilícitos ambientais, corrupção e lavagem de dinheiro.

Núcleos criminosos

Devido à complexidade e ao volume de crimes, as denúncias foram fatiadas em seis núcleos distintos, todos agora convertidos em ações penais:

  • Extração ilegal: núcleo focado no desmatamento em terras de domínio público e na invasão de terras da União, incluindo a continuidade da exploração madeireira mesmo após embargos ambientais. Laudos periciais com imagens de satélite confirmaram a atividade ilícita em glebas do Incra e na Terra Indígena Arara.
  • Reação violenta: refere-se especificamente aos envolvidos na emboscada de 5 de maio de 2020. As investigações, baseadas em mensagens e áudios extraídos de celulares, identificaram os autores intelectuais, os articuladores do protesto e os responsáveis por esconder os veículos recuperados ilegalmente.
  • Corrupção de agentes públicos: esse núcleo revelou a participação de policiais militares que recebiam propinas para garantir o trânsito seguro das cargas de madeira ilegal e deixar de fiscalizar os caminhões.
  • Esquema de ‘esquentamento’: liderado por empresários do setor, esse núcleo focava na legalização fraudulenta da madeira. O esquema utilizava uma empresa como compradora de madeira ‘esquentada’ por meio de Guias Florestais (GFs) falsas emitidas por uma madeireira.
  • Fraudes e logística: núcleo especializado na venda de madeira clandestina, coordenando o beneficiamento e a manipulação de créditos florestais e a emissão de GFs falsas. Envolveu a emissão de créditos fictícios e transações fraudulentas.
  • Falsidade ideológica em larga escala: núcleo especializado na aquisição de madeira ilegal e na sua legalização por meio de múltiplas empresas. As investigações apontaram o uso de documentação falsa para cobrir cargas extraídas de locais como Medicilândia e Uruará, enquanto as notas indicavam origens falsas em cidades onde os caminhões sequer estiveram, fato comprovado por rastreamento de Estações Rádio-Base (ERBs).

Provas e acusações

O conjunto de provas reunido nas investigações inclui interceptações telefônicas, análise de dados bancários e laudos técnicos que detectaram fraudes no Sistema de Comercialização e Transporte de Produtos Florestais (Sisflora), apontando divergências significativas entre os estoques virtuais e físicos de madeira.

Os réus responderão, na medida das culpabilidades apontadas pelo MPF, por crimes de organização criminosa, lavagem de capitais, corrupção ativa e passiva, falsidade ideológica, receptação qualificada, obstrução de fiscalização, desmatamento em terras públicas e associação criminosa.