MPF pede intervenção da Justiça por crise hídrica e econômica dos indígenas Parakanã no Pará

Falta de água potável e interrupção no escoamento da produção colocam em risco a saúde e a subsistência de 31 aldeias.

Publicado em 25 de agosto de 2025 às 11:21

Uma grave crise humanitária está sendo enfrentada pelo povo indígena Awaeté Parakanã, no sudeste paraense.
Uma grave crise humanitária está sendo enfrentada pelo povo indígena Awaeté Parakanã, no sudeste paraense. Crédito: MPF

O Ministério Público Federal (MPF) pediu à Justiça Federal a determinação de soluções imediatas para uma grave crise humanitária enfrentada pelo povo indígena Awaeté Parakanã, no sudeste paraense. Na manifestação, feita na última quarta-feira (20), o MPF detalha a falha no fornecimento de água potável e a paralisação do transporte para escoamento da produção agrícola, situações que colocam em risco a saúde, a subsistência e a própria sobrevivência das comunidades da Terra Indígena (TI) Parakanã, nos municípios de Novo Repartimento e Itupiranga.

O pedido é resultado da participação do MPF em audiências públicas e inspeções judiciais realizadas pela Justiça Federal nos últimos dias 12 e 13 nas aldeias Paranatinga, Paranoema, Petitawava, Xanipaywa e Paramao'ona.

Nesses encontros, os indígenas relataram o agravamento de problemas crônicos decorrentes de promessas não cumpridas pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) há mais de oito anos, no contexto do licenciamento ambiental das rodovias BR-230 e BR-422.

Sem acesso à água potável

O ponto mais crítico, segundo as lideranças indígenas, é a questão do acesso à água. O MPF aponta que o Dnit se comprometeu a construir poços artesianos como medida para reduzir os impactos das obras, mas a providência nunca foi implementada. Como resultado, as aldeias dependem de um sistema precário e insuficiente.

Os poços existentes são do tipo ‘amazonas’, com profundidade média de apenas três metros, que frequentemente secam durante o período de estiagem, conhecido como ‘verão amazônico’ (de junho a novembro). Cada comunidade dispõe de apenas uma caixa d'água de mil litros, volume incapaz de suprir as necessidades básicas. A distribuição, feita por bombas alimentadas por energia solar, é comprometida, pois alguns desses sistemas estão danificados.

A consequência direta é que os indígenas Parakanã são forçados a consumir água diretamente de igarapés e rios. O MPF alerta que essa água “não possui nenhum tipo de tratamento ou análise, o que a torna impura para consumo humano e contaminada por agentes físicos e biológicos”.

No pedido à Justiça, o procurador da República Rafael Martins da Silva relata um quadro de saúde alarmante, com o uso contínuo de água de baixa qualidade ocasionando o adoecimento dos membros da comunidade, resultando inclusive na morte de crianças vítimas de diarreias crônicas. Para agravar o cenário, nem todas as 31 aldeias contam com um agente indígena de saneamento para cuidar dos poços.

Produção sem escoamento

Paralelamente à crise hídrica, as comunidades enfrentam um severo prejuízo econômico. Um acordo previa que o Dnit forneceria quatro caminhões, cinco mil litros de combustível mensais e motoristas para garantir o escoamento de produtos como açaí, banana, cacau e castanha.

Embora os caminhões tenham sido entregues em junho de 2024, o termo de compromisso que garantia o suporte operacional expirou em 2 de maio de 2025 e não foi renovado pelo Dnit. Sem transporte, os indígenas perderam o acesso a mercados mais vantajosos em cidades como Marabá, Belém e Itupiranga, pois não têm como arcar com os custos do frete.

O MPF ilustra o impacto financeiro com o exemplo do açaí. A produção diária de uma aldeia gira em torno de 120 latas. Sem transporte, são obrigados a vender localmente por cerca de R$ 50 a lata, enquanto nos mercados regionais o valor pode variar de R$ 70 a R$ 100. Isso representa uma perda de arrecadação diária de pelo menos R$ 6 mil por aldeia apenas com esse produto durante a safra.

O MPF calculou o prejuízo total decorrente dos 102 dias de paralisação do serviço (entre 2 de maio e 12 de agosto de 2025), estimando uma perda de R$ 612 mil por aldeia, o que totaliza um montante de R$ 18,9 milhões para o conjunto das 31 comunidades afetadas.

Pedidos do MPF à Justiça – Diante da gravidade e da urgência, o MPF requer que a Justiça determine ao Dnit, de forma imediata:

  • para a água: a distribuição diária de mil litros de água potável via caminhões-pipa para aldeias próximas à BR-230 e sete mil litros semanais para as mais distantes, além da construção emergencial de cisternas e caixas d'água, até que os poços artesianos definitivos sejam construídos;
  • para o transporte: o restabelecimento imediato do serviço de escoamento da produção, com caminhões e motoristas;
  • compensação e multa: a condenação da União e do Dnit ao pagamento da perda estimada em R$ 18,9 milhões e a aplicação de uma multa diária de R$ 6 mil por aldeia em caso de novo descumprimento do fornecimento de transporte.

O MPF encerra a petição reforçando que a ausência de medidas compensatórias efetivas causa não apenas prejuízos à sobrevivência e à saúde física e mental das famílias indígenas, mas também “desagregação social e alterações significativas em seus costumes e modos de vida”, e apela por uma resposta rápida do Judiciário para proteger os direitos fundamentais do povo Parakanã.