Povos amazônicos protagonizam sinfonia inédita no Brasil; Belém será palco do espetáculo

‘Águas da Amazônia’: encontro entre rios e povos conecta música, arte e ancestralidade

Publicado em 7 de outubro de 2025 às 13:02

A peça em sua versão orquestrada chega à Amazônia, território dos rios que a inspiraram.
A peça em sua versão orquestrada chega à Amazônia, território dos rios que a inspiraram. Crédito: Divulgação

A capital paraense, que sediará em breve a COP30, será palco de um encontro histórico entre o minimalismo norte-americano e a música ancestral dos povos amazônidas. A um mês da maior conferência sobre mudanças climáticas do mundo, a obra “Águas da Amazônia” será apresentada pela primeira vez no Brasil no emblemático Theatro da Paz, em Belém, nos dias 8 e 9 de outubro.

Após 32 anos de lançada e tendo circulado por salas de concerto do mundo, a peça em sua versão orquestrada finalmente chega à Amazônia, território dos rios que a inspiraram. A obra de um dos compositores vivos mais influentes da música contemporânea, Philip Glass, se transformou em um projeto ainda maior, que une concerto sinfônico, projeções audiovisuais e a força criativa de artistas indígenas e amazônicos.

Gravada originalmente em colaboração com o grupo mineiro Uakti, a releitura da obra “Águas da Amazônia” evoca a fluidez dos rios, a diversidade dos povos e a urgência da preservação desse ecossistema único, um encontro histórico entre tradições musicais que nunca dialogaram neste nível.

“O Águas da Amazônia é, para mim, um encontro entre visões. Temos um compositor que não nasceu aqui, mas que traduziu em música os rios e a paisagem da Amazônia, e temos uma orquestra amazônida, conduzida por um regente que também é da região. É essa junção entre a visão de fora e a de dentro que dá força à obra: uma leitura universal da Amazônia feita com os olhos do mundo, mas interpretada a partir de dentro, no coração da floresta. É um diálogo potente sobre o que a Amazônia significa local e globalmente", avalia o regente titular e diretor artístico da Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz, Miguel Campos Neto.

O concerto será marcado pela integração entre música clássica contemporânea, ritmos e sonoridades tradicionais da região, e projeções visuais criadas por dez artistas indígenas e amazônicos contemporâneos. Inspiradas em histórias e saberes de diferentes etnias, essas obras visuais ganham vida em projeções durante a apresentação, ampliando a experiência estética e cultural.

Para a diretora artística e idealizadora do projeto, Natália Duarte, a concepção do concerto nasceu do desejo de promover o encontro desta obra emblemática com o território que ela homenageia. "Este projeto amadureceu ao longo de anos, desde que percebi o potencial de trazer 'Águas da Amazônia' de Philip Glass ao território dos rios que a inspirou. Mas não queríamos apenas executar a música, queríamos mostrar a vida que pulsa nesses territórios: a fauna, a flora, mas principalmente os mitos, as histórias, a espiritualidade e a diversidade dos muitos povos que vivem junto com esses rios", ressalta.

Natália lembra que cada rio é habitado por povos com saberes milenares que merecem ser celebrados. São universos de culturas que merecem ser celebradas. “Aproveitamos este momento em que os olhos do mundo estão voltados para a Amazônia, especialmente com a proximidade da COP 30, para promover encontros transformadores entre diferentes tradições musicais, artes visuais e narrativas territoriais, mostrando ao mundo a extraordinária riqueza das artes e culturas amazônicas", destacou.

O projeto, que nasceu a luz do sonho de criar pontes entre o minimalismo de Glass, a orquestra sinfônicas e as sonoridades amazônicas, hoje se concretiza uma forma de mostrar que na Amazônia não existe separação entre natureza e cultura e que cada rio amazônico pulsa com vida, história e futuro.

Mais do que um espetáculo, o projeto se propõe a ser uma plataforma de valorização cultural, educacional e social. Oficinas realizadas em parceria com o Laboratório de Etnomusicologia da UFPA e jovens das Escolas de Aplicação da UFPA e a transversal de educomunicação na comunicação do projeto garantem que a experiência reverbere para além do palco, formando novos públicos e fortalecendo identidades.

Para uma das responsáveis pela realização do projeto, a diretora de produção Joelle Mesquita, as oficinas e conteúdos produzidos são fundamentais para que o projeto ultrapasse o caráter pontual de um concerto e se transforme em processo formativo e de legado.

“Ao envolver jovens da região, estimulamos a apropriação crítica da cultura local, incentivamos novas gerações a se verem como protagonistas de suas narrativas e oferecemos ferramentas criativas para que possam comunicar o que vivem. Esses desdobramentos criam pontes entre arte, educação e cidadania, fortalecendo a autoestima coletiva e ampliando as perspectivas profissionais e culturais da juventude amazônica. Mais do que um espetáculo, o projeto deixa sementes que podem florescer em iniciativas futuras de criação, pesquisa e valorização do patrimônio cultural", declara Joelle.

Rios como protagonistas

A peça de Philip Glass é composta por movimentos dedicados a rios emblemáticos da bacia amazônica - Negro, Tapajós, Purus, Xingu, Amazonas, entre outros. Na releitura atual, esses rios não são apenas títulos de composições, mas se tornam personagens centrais, que conduzem o público a uma travessia musical e espiritual.

Os artistas envolvidos trazem para a obra suas trajetórias pessoais, suas referências ancestrais e sua relação íntima com o território.

“A música tem essa capacidade rara de tocar cada pessoa de um jeito único. Quando um compositor se inspira na Amazônia, ele traduz espiritualidade, identidade, resistência e beleza em sons que não precisam de palavras. Mais do que encantar, esse espetáculo busca revelar a relevância da Amazônia em todas as dimensões - natural, cultural e humana. Porque a floresta é riqueza para o planeta, mas sobretudo é casa de quem a habita e a defende em primeiro lugar", concluiu o maestro Miguel Campos.

Joelle acredita que a união da música sinfônica com as artes visuais e as narrativas indígenas cria um campo fértil para a valorização da cultura amazônica, dentro e fora do Brasil.

“Produzir este projeto em Belém significa mobilizar e valorizar nossa cadeia produtiva cultural local. São mais de 80 profissionais da região envolvidos, entre artistas, técnicos, educadores e comunicadores. Como paraense, vejo a importância de realizarmos produções desta envergadura com mão de obra local: não é apenas sobre executar um espetáculo, mas sobre absorver metodologias, criar redes profissionais e demonstrar que Belém tem infraestrutura e capital humano qualificado para sediar projetos de alta complexidade. Essa experiência fica para nós como legado para futuras produções, somando-se ao conjunto das muitas produções com alto padrão técnico e artístico que podemos realizar e realizamos na Amazônia", acredita.

Para Natália, a potência deste projeto está justamente no diálogo entre diferentes perspectivas e linguagens. “Ao integrar a música sinfônica com as artes visuais indígenas e as narrativas dos povos dos rios, criamos camadas de significado que se complementam e se amplificam. A obra nos dá a estrutura musical, mas são os artistas da floresta que trazem a alma, os significados profundos, as conexões reais com o território. Esta fusão rompe com a ideia de que a Amazônia precisa ser 'explicada' por olhares externos, aqui, ela se apresenta também por suas próprias vozes, em toda sua complexidade contemporânea", finaliza.

Cultura, espiritualidade e preservação

A proposta reflete a relação profunda entre natureza e comunidades amazônicas. Sonoridades da floresta, temáticas espirituais, valorização da oralidade e mensagens de sustentabilidade se entrelaçam para criar um espetáculo que é, ao mesmo tempo, celebração e manifesto.

Combinando música, arte visual, saberes tradicionais , Águas da Amazônia: Rios e Povos reafirma a região como um centro de criatividade e intercâmbio cultural no cenário mundial, e convida o público a mergulhar em uma experiência estética, política e afetiva sobre a floresta e seus povos.

Serviço

Espetáculo: Águas da Amazônia – Rios e Povos

Datas: 8 e 9 de outubro de 2025

Local: Theatro da Paz – Belém/PA

Direção artística: Natália Duarte

Artistas convidados: Djuena Tikuna, Trio Manari e imagens de Daiara Tukano, Bu’u Kennedy, Wira Tini, Auá Mendes, Duhigo, entre outros (ex-Uakti)

Ingressos: retirada dos ingressos a partir de 18h na bilheteria do Theatro nos dias do espetáculo

Classificação indicativa: Livre