Após ano mais quente, Brasil promove tecnologias de adaptação contra a crise do clima

O país-sede da COP30 apresenta tecnologias para adaptação climática, que vão desde plataformas digitais, até técnicas agrícolas regenerativas que protegem o solo e garantem a produção de alimentos.

Publicado em 8 de outubro de 2025 às 12:14

Ferramenta consolida dados para avaliar os impactos futuros da mudança do clima em todos os 5.570 municípios do país.
Ferramenta consolida dados para avaliar os impactos futuros da mudança do clima em todos os 5.570 municípios do país. Crédito: Reprodução

O ano de 2024 entrou para a história como o mais quente já registrado, confirmando a urgência da crise climática global, segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM). Diante desse cenário, a COP30 em Belém é vista como um momento decisivo para mostrar ao mundo como transformar diagnóstico em ação. Enquanto eventos extremos se intensificam e causam secas e chuvas intensas em todo o planeta, a pergunta que guiará os debates na Amazônia é: como nos adaptar a esta nova realidade do clima?

Uma das apostas do Brasil é a plataforma AdaptaBrasil. Desenvolvida em parceria pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e a Rede Nacional de Pesquisa e Ensino (RNP), a ferramenta consolida dados para avaliar os impactos futuros da mudança do clima em todos os 5.570 municípios do país, afirma Jean Ometto, coordenador científico da plataforma e pesquisador do INPE.

“É uma ferramenta que busca informar o processo de planejamento territorial no nível local. A gente faz essa análise para vários setores. Hoje tem nove na plataforma, e alguns deles com alguns sub setores, como saúde. Ela não só tem um foco primário em pessoas que fazem a gestão local, mas ela também tem componentes que podem e vêm sendo usados pelo setor privado, pela sociedade civil”, relatou.

Além do diagnóstico, a plataforma é uma das bases científicas para a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) do Brasil e para o programa AdaptaCidades, do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). O AdaptaCidades é uma tecnologia social e permite transformar conhecimento em prática, capacitando servidores públicos para a elaboração de planos de adaptação e resiliência, explica Inamara Melo, coordenadora-geral do Departamento de Políticas de Adaptação e Resiliência do Ministério do Meio Ambiente.

“O AdaptaCidades nasce da necessidade de integrarmos estados, municípios e o governo federal em um grande pacto social, político e federativo, para lidar com a mudança do clima. Essa não é uma agenda possível apenas para uma esfera de governo. Estamos falando do principal desafio da contemporaneidade e precisamos desse pacto social para enfrentarmos a mudança do clima”, disse a coordenadora.

Enquanto o Brasil une esferas de governo, promovendo assim o “federalismo climático”, soluções inovadoras e acessíveis surgem globalmente; mas adaptação não é só alta tecnologia. Avinash Persaud, assessor especial para mudança do clima do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), lembra que soluções simples nas escolas já fazem grande diferença.

“Tentar preparar as escolas para o calor não requer muita tecnologia sofisticada. Podem ser tecnologias bem simples e baratas, como o desenvolvimento de novas tintas refletivas, o desenvolvimento de sombreamento verde, o redesenho do fluxo de ar em uma escola e ar condicionado movido a energia solar”, declarou.

Da cidade, vamos ao campo. O setor que mais sofre com a mudança do clima é também peça-chave para a solução: a agropecuária. Dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) mostram perdas de 3,8 trilhões de dólares no setor nos últimos 30 anos, devido a desastres climáticos. Como resposta, ganha força a agropecuária regenerativa, uma tecnologia ancestral. O cientista ambiental Carlos Nobre, membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), indica que o segredo está no solo.

“Em 2022, 25% do desmatamento da Amazônia e do Cerrado foi devido à agropecuária. Então, nós temos realmente que acelerar muito a transformação para a agricultura e pecuária regenerativas. Elas são muito mais produtivas. São duas até cinco vezes mais produtivas que a média da agropecuária brasileira. Emitem muito menos gases e também são muito resilientes aos eventos extremos”, explicou o cientista.

O Brasil já está colocando em prática a agropecuária regenerativa com o Programa Florestas Produtivas, uma parceria dos ministérios do Desenvolvimento Agrário (MDA) e do Meio Ambiente. O programa chegou para aumentar a oferta de alimentos e a geração de renda das famílias rurais, e também ajudar o Brasil a atingir as metas do Acordo de Paris. Fernanda Machiaveli, secretária-executiva do Ministério do Desenvolvimento Agrário, explica como funciona o programa.

“A ideia é, a partir de áreas degradadas ou áreas que foram modificadas, nós vamos fazer tanto a recuperação ambiental tradicional, que é com as variedades nativas, complementando com as variedades que chamamos de produtivas, gerando também produção de alimento para aquelas famílias com sistemas agroflorestais”, pontuou.

Fernanda Machiaveli acrescenta que o Programa Florestas Produtivas contribui para a NDC brasileira, restaurando 12 milhões de hectares, ao mesmo tempo que promove segurança alimentar e a própria soberania brasileira.

João Carlos Gomes, beneficiário do programa e presidente da associação Resex, conta que o programa já está rendendo frutos, na Reserva Extrativista Marinha Tracuateua, no Nordeste do Pará. “Eu já vendi um pouco, mas já doei para toda a minha comunidade. Para duas comunidades, eu faço uma feira. Eu faço esse trabalho de levar pouco a pouco, para o meu vizinho, para eles saberem o que tenho aqui, o que eles podem ter na área deles”, disse.

Das plataformas digitais às práticas no campo, as soluções apresentadas mostram que o conhecimento, quando aplicado, é a nossa maior ferramenta de adaptação. O caminho é complexo, mas o Brasil demonstra que está construindo, na prática, as respostas que o mundo espera ver. O desafio é imenso, mas a semente da resiliência já está sendo plantada, no campo e na cidade.