Eco-ansiedade: quando o medo pelo futuro do planeta adoece a mente

Fenômenos como ondas de calor extremas, queimadas, secas prolongadas, poluição e elevação do nível do mar estão entre os principais fatores que alimentam esse medo.

Publicado em 6 de novembro de 2025 às 14:05

Fenômenos como ondas de calor extremas, queimadas, secas prolongadas, poluição e elevação do nível do mar estão entre os principais fatores que alimentam esse medo.
Fenômenos como ondas de calor extremas, queimadas, secas prolongadas, poluição e elevação do nível do mar estão entre os principais fatores que alimentam esse medo. Crédito: Art House/Via Pexels

A crescente exposição às notícias sobre desastres ambientais, secas, enchentes e perda de biodiversidade tem gerado um novo tipo de sofrimento psicológico: a eco-ansiedade. O termo, descrito pela American Psychological Association (APA), define o “medo crônico de sofrer um cataclismo ambiental ao observar o impacto aparentemente irreversível das mudanças climáticas”, afetando a forma como as pessoas se sentem em relação ao futuro.

Fenômenos como ondas de calor extremas, queimadas, secas prolongadas, poluição e elevação do nível do mar estão entre os principais fatores que alimentam esse medo. Segundo uma pesquisa realizada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em parceria com a Universidade de Oxford e o instituto GeoPoll, 56% das pessoas pensam nos problemas climáticos pelo menos uma vez por semana, e mais da metade relatou que a preocupação aumentou no último ano, número que sobe para 63% em países em desenvolvimento.

No Brasil, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação já alerta: o país continuará enfrentando alterações climáticas significativas em todas as regiões, cenário que tende a agravar o impacto emocional e psicológico da crise ambiental.O psiquiatra Dr. Andreyson Pantoja, professor do IDOMED, explica que a eco-ansiedade é uma forma de ansiedade diretamente relacionada às ameaças ambientais. “Ao contrário de outros tipos de ansiedade, que podem ser desencadeados por situações pessoais ou sociais, a eco-ansiedade é focada na crise climática, na perda de biodiversidade, na poluição e nos desastres naturais”, afirma.

Quando o corpo sente antes da mente - Para a especialista em saúde mental e coordenadora de Enfermagem na Faci Wyden, Shirley Miranda Aviz, o calor intenso é um dos fatores que amplificam o quadro de estresse, pois exige um grande esforço do corpo para se adaptar, provocando suor excessivo, vasodilatação e aceleração do coração.

Na Amazônia, as ondas de calor que têm atingido a região fazem aumentar os casos de elevação da pressão arterial, tontura, exaustão térmica e distúrbios do sono. “As pessoas se queixam de mal-estar e de um cansaço constante, que se agrava com a falta de sono e o ar abafado. A fumaça das queimadas irrita as vias respiratórias, agrava crises alérgicas e interfere diretamente na qualidade do sono”, complementa Shirley.

Ela observa que o bem-estar físico tem sido substituído por um estado de desgaste físico e emocional, impulsionado pelo calor excessivo e pela respiração de um ar poluído. “O Ministério da Saúde ressalta que o aumento da temperatura e da poluição do ar está diretamente relacionado ao agravamento de doenças cardiovasculares e respiratórias, algo que aqui na nossa região observamos de perto.”

Um sofrimento que atravessa corpo, mente e território - Segundo a especialista, quem mais sofre com os impactos do calor e das mudanças ambientais são justamente as populações mais vulneráveis, como ribeirinhos, indígenas e moradores das periferias urbanas.

“Essas comunidades enfrentam calor intenso, moradias pouco estruturadas, falta de saneamento e, muitas vezes, dependem diretamente do clima para garantir o sustento. Já nas cidades, há famílias inteiras vivendo em casas pouco ventiladas, com excesso de moradores e expostas aos bolsões de ar quente. Situações como essas provocam estresse crônico e ansiedade, impactando a saúde física e mental”, aponta.

Ela reforça que a vulnerabilidade climática é também uma expressão das desigualdades sociais, como destaca a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). “Na nossa região, a eco-ansiedade é um sofrimento que atravessa o corpo, a mente e o contexto social”, completa Shirley Aviz.

Para o Dr. Pantoja, essa vulnerabilidade social e ambiental reforça o impacto emocional da crise climática sobre comunidades tradicionais e populações de baixa renda. “Para essas populações, a crise climática não é uma ameaça abstrata. É uma realidade que afeta a casa, a cultura e a sobrevivência. Muitos vivem um verdadeiro ‘luto ecológico’ pela perda de suas paisagens e modos de vida”, destaca.

Ele também chama atenção para a interseção entre injustiça social e ambiental, lembrando que populações de baixa renda e minorias raciais costumam ser mais afetadas e ter menos recursos para lidar com os impactos.

Sintomas e caminhos possíveis - O Dr. Pantoja observa que os sintomas da eco-ansiedade se manifestam em diferentes níveis. Entre os emocionais e psicológicos, estão sentimentos de impotência, tristeza e luto ecológico, além de raiva, medo e culpa por não conseguir “fazer o suficiente” para proteger o meio ambiente.

Nos aspectos físicos, o problema pode gerar insônia, fadiga e até ataques de pânico; já no comportamento, surgem pensamentos obsessivos sobre a crise ambiental, evitação de notícias e isolamento social. Para lidar com esse sofrimento, Shirley Aviz ressalta que os cuidados mais eficazes, muitas vezes, são os mais simples.

“Manter-se hidratado, evitar o sol nos horários de pico, evitar roupas de tecido sintético e priorizar alimentos leves e regionais, como frutas ricas em água, entre elas a melancia e o cupuaçu, já faz diferença. Também é importante fazer pequenas pausas ao longo do dia, buscar locais ventilados e em contato com a natureza, além de praticar respiração consciente. A promoção da saúde mental passa pela criação de ambientes saudáveis e pelo contato com a natureza”, reforça.

Apesar do cenário desafiador, o Dr. Pantoja lembra que a conscientização ambiental pode ser positiva para a saúde mental, desde que equilibrada e acompanhada de ação. “A eco-ansiedade surge quando o problema parece grande demais para ser resolvido. Mas quando a pessoa se sente parte da solução, a saúde mental melhora. É preciso transformar o medo em propósito”, elucida.

Entre as práticas recomendadas, estão limitar-se à exposição de notícias negativas e optar por horários específicos para se informar, adotar hábitos sustentáveis e participar de projetos ambientais locais, frequentar espaços verdes e praticar atividades ao ar livre, buscar apoio comunitário e priorizar o autocuidado, com acompanhamento psicológico ou psiquiátrico quando necessário.

Para o psiquiatra, a eco-ansiedade será um dos grandes desafios de saúde mental das próximas décadas, à medida que os efeitos das mudanças climáticas se intensificam. Em um planeta em transformação, aprender a lidar com o medo do futuro é, também, uma forma de cuidar do presente.

“Embora ainda não seja um diagnóstico formal, a eco-ansiedade é um sofrimento real, e precisa ser acolhida. Cuidar da mente também é parte da luta pela sustentabilidade”, conclui o Dr. Pantoja.