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Publicado em 6 de junho de 2025 às 13:24
Às margens dos rios amazônicos, uma nova maré de transformação está em curso. Na Ilha do Combu, em Belém do Pará, mulheres ribeirinhas têm reinventado a própria história ao transformar saberes ancestrais em negócios sustentáveis, gerando renda, autonomia e, acima de tudo, permanência no território.
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Sem acesso a empregos formais, mas detentoras de um legado passado de geração em geração, essas mulheres utilizam sementes, cascas, óleos e frutos da floresta para produzir cosméticos naturais de alto valor agregado. Com isso, conquistam espaço no mercado local, nacional e até internacional — e ajudam a manter a floresta em pé.>
Dona Danielle: o sabão da floresta que conquistou o mundo>
Dona Danielle Sarmanho, 54 anos, é uma das guardiãs desse saber tradicional. Moradora da Ilha do Combu, aprendeu com a mãe e a avó a produzir sabões artesanais com andiroba — um cuidado natural para a pele da família que, anos depois, virou um negócio familiar.>
Hoje, Danielle vende os óleos extraídos manualmente da andiroba para fábricas e integra a Associação de Mulheres Extrativistas da Ilha do Combu (AME). Todo o processo — da coleta no mato à cura do óleo — é feito de forma artesanal.>
“Tudo começou como um cuidado caseiro. Nunca imaginei que ia viver disso”, conta ela, embalada por papéis reciclados com rótulos feitos à mão.>
Hoje, seus óleos e sabões já chegaram a São Paulo, Belém e até à China. “Aprendi a colocar preço, a pensar como empresa. Mas tudo ainda é feito aqui, de forma coletiva, com outras mulheres que também viraram saboeiras. Muitas sustentam suas famílias com esse trabalho”, afirma.>
Da beira do rio para o mundo: a história de Danielly Leite e a Bio Ilha>
Foi inspirada nesse saber tradicional que Danielly Leite, 33 anos, fundou a saboaria Bio Ilha. Começou com apenas R$ 300, comprando os primeiros óleos da própria Danielle, na Ilha do Combu. A ideia era simples: transformar os insumos naturais em cosméticos.>
“Vi que amigos produziam óleos vegetais e pensei: por que não fazer sabonetes com isso? Comprei glicerina, fiz dez unidades, vendi, reinvesti… e assim nasceu a Bio Ilha”, relembra.>
Em 2021, sua sócia Vanessa entrou no negócio. Em 2024, com apoio do Sebrae, a fábrica foi regularizada e a marca participou da maior feira de cosméticos do país. A Bio Ilha já entregou mais de 30 mil pacotes em todo o Brasil — e até no Japão. Em 2024, o faturamento chegou a R$ 2 milhões.>
“Empregamos diretamente 10 mulheres, além de químicas, contadoras e revendedoras. É um ciclo vivo: compramos insumos das comunidades, que dependem de nós para gerar renda”, destaca Danielly.>
A fábrica, localizada em Icoaraci, é hoje um símbolo da bioeconomia paraense — e prova de que é possível fazer negócios com impacto ambiental e social positivos, valorizando o território.>
Negócios com propósito e crescimento com raízes>
A Ilha do Combu fica a cerca de 15 minutos de barco de Belém, e é um dos principais refúgios naturais próximos à capital, o que atrai mais visitantes a cada ano.>
Até 2000 eram somente três estabelecimentos. Entre 2010 e 2020 ocorreu um aumento de 866,66%, totalizando 32 comércios. Em 2023 foram registrados 60 empreendimentos na Ilha, conforme o boletim de inteligência de mercado 2023, produzido pelo Sebrae Pará. >
Mesmo com os desafios da geografia, da conexão precária com a internet, da falta de transporte e do preconceito de gênero, essas mulheres seguem firmes.>
“Diziam que isso não era trabalho de mulher. Hoje ensino outras meninas, ajudo minha família, e não precisei sair da beira do rio”, conta Rosilene de Souza 38 anos, que hoje vende cosméticos artesanais em feiras da capital.>
Danielly, da Bio Ilha, também reconhece a importância do apoio técnico.>
“Achava que não precisava do Sebrae. Me enganei. O apoio deles mudou o ritmo do nosso crescimento. Teria economizado tempo, dinheiro e chegado mais longe, mais cedo”, afirma.>
Empreender para resistir>
No coração da Amazônia, essas mulheres provam que a floresta em pé pode ser sinônimo de economia viva. Ao transformar saberes tradicionais em inovação, elas não apenas mudam suas realidades, mas também inspiram um novo modelo de desenvolvimento: enraizado, coletivo e sustentável.>