Publicado em 29 de outubro de 2025 às 11:34
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) divulgou hoje o Relatório sobre a Lacuna de Adaptação de 2025 (Adaptation Gap Report, em inglês). O resultado, como esperado, é de que o financiamento empenhado para a adaptação dos países em desenvolvimento está radicalmente abaixo do que seria necessário. Mais especificamente, doze vezes abaixo do necessário. >
Aos números: os países em desenvolvimento precisam de ao menos US$ 310 bilhões por ano, até 2035, para financiar a adaptação das cidades aos efeitos das mudanças do clima. Por ora, recebem US$ 26 bilhões, segundo o relatório (o valor é de 2023). A situação é tão ruim que mesmo a meta do Pacto Climático de Glasgow, de dobrar o financiamento público internacional de adaptação dos níveis de 2019, para aproximadamente US$ 40 bilhões até 2025, não será alcançada.>
“Os impactos do clima estão acelerando. Mas o financiamento da adaptação não acompanha o ritmo, deixando os mais vulneráveis expostos à elevação do nível do mar, a tempestades mortais e ao calor escaldante”, disse o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, em sua mensagem sobre o relatório. “A adaptação não é um custo – é uma tábua de salvação.”>
O valor de US$ 310 bilhões aventado pelo relatório foi baseado em custos modelados. Desses, US$ 50 bilhões viriam do setor privado, que hoje paga apenas US$ 5 bilhões por ano. O grosso, portanto, caberia ao poder público. Caso o critério adotado fosse o das estimativas expressas nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) e nos Planos Nacionais de Adaptação, o montante total subiria para US$ 365 bilhões. Ou seja: a necessidade é consenso geral. A ação, não.>
“Precisamos de um impulso global, de fontes pública e privadas, para aumentar o financiamento da adaptação, sem aumentar o fardo da dívida das nações vulneráveis”, disse Inger Andersen, diretora-executiva do Pnuma. “Mesmo em meio a orçamentos apertados e prioridades concorrentes, a realidade é simples: se não investirmos em adaptação agora, enfrentaremos custos crescentes a cada ano.”>
O relatório mostrou ainda que 172 países (87% dos 198 signatários do Acordo de Paris) têm ao menos uma política, estratégia ou plano nacional de adaptação em vigor, ainda que 36 desses países estejam com instrumentos desatualizados. Nos Relatórios Bienais de Transparência – apresentados no âmbito do Acordo de Paris para delinear o progresso no cumprimento das promessas climáticas – os países relataram mais de 1.600 ações de adaptação implementadas, principalmente em biodiversidade, agricultura, água e infraestrutura. Mas poucos relatam resultados e impactos reais, que seriam necessários para avaliar a eficácia. Esse é um tema cuja discussão deve avançar na COP30, onde se espera chegar a uma definição das condicionantes para se avaliar as políticas de adaptação mundo afora.>
O relatório também menciona a Nova Meta Quantificada Coletiva para o financiamento climático, acordada na COP29, que das nações desenvolvidas um aporte de pelo menos US$ 300 bilhões, por ano, para a ação climática nos países em desenvolvimento até 2035. De acordo com o texto, tal valor é insuficiente para fechar a lacuna financeira, porque ignora a taxa de inflação e ainda inclui os gastos com mitigação. A ideia é que o montante possa ser reajustado com o Roteiro de Baku a Belém, a ser negociado em Belém, que tenta arrecadar US$ 1,3 trilhão por ano até 2035.>
Em coletiva de imprensa realizada nesta manhã, Inger Andersen, do Pnuma, lembrou que nenhum país está preparado para a nova realidade, ainda que nações-ilha, como a Jamaica – que acaba de ser atingida pelo furacão Melissa -, sejam mais vulneráveis. “Políticas de adaptação são obras de infraestrutura que não são feitas em um ano ou dois, mas em décadas”, enfatizou. “Estou feliz que o presidente da COP, André Corrêa do Lago, tenha falado desse tema, lembrando que o esforço precisa ser global, já que uma ilha que se torna inabitável terá implicações não apenas locais.”>
Na semana passada, o presidente da COP, André Corrêa do Lago, publicou sua oitava carta, alertando para o fato de que “a adaptação climática deixou de ser uma escolha que sucede à mitigação”, tornando-se “a primeira parte de nossa sobrevivência”. Lembrou que os desastres relacionados ao clima já custam à África entre 2% e 5% do PIB a cada ano. “Estas não são apenas crises ambientais; são alertas fiscais, fraturas sociais e riscos sistêmicos à estabilidade global”, escreveu.>