Professora abandona conferência do SUS em Cuiabá após prefeito vetar uso de linguagem neutra
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A professora Maria Inês da Silva Barbosa, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), deixou a 15ª Conferência Municipal de Saúde de Cuiabá, realizada nesta quarta-feira (30), após ser repreendida publicamente pelo prefeito da capital, Abilio Brunini (PL), por utilizar linguagem neutra em sua fala de abertura. O episódio ocorreu antes mesmo do início da palestra da docente, durante um evento oficial promovido pela Prefeitura.>
Ao iniciar sua participação, a professora afirmou: “A saúde é para todos, todas e todes”, expressão que utiliza o pronome neutro “todes”, adotado em contextos inclusivos para contemplar pessoas que não se identificam com os gêneros masculino ou feminino.>
Logo após a declaração, o prefeito Abilio Brunini pediu a palavra e disse que, em sua gestão, o uso de linguagem neutra não seria permitido em espaços institucionais. “Aqui no nosso município, na nossa gestão, a gente não trabalha com pronome neutro, nem com doutrinação ideológica. Durante a minha gestão, não vou aceitar a manifestação de pronome neutro. Se a senhora não se sentir à vontade em fazer uma apresentação que discuta a saúde de Cuiabá sem doutrinação ideológica e sem manifestação de pronome neutro, eu vou suspender a apresentação”, afirmou o prefeito, em discurso.>
Em resposta, a professora Maria Inês reafirmou sua posição e informou que deixaria o evento. “Quando eu falo de equidade, eu tenho que falar de todos, todas e todes, porque essas pessoas querem ser ouvidas. Não tenho como falar do acesso universal igualitário a todas as ações e serviços de saúde, sem me referir a todos, todas e todes. O senhor não vai precisar me retirar da sala porque eu me retiro”, declarou antes de se levantar e sair. Até o momento, a professora não se manifestou oficialmente sobre o episódio.>
Nota da Prefeitura>
Em nota enviada ao portal Roma News, a Prefeitura de Cuiabá afirmou que “não será permitido o uso de linguagem neutra em eventos e espaços institucionais patrocinados pelo Poder Executivo Municipal”. A medida, segundo o texto, segue orientação direta do prefeito e se baseia na “preservação da norma culta da língua portuguesa” e na “neutralidade ideológica das ações públicas”.>
A Prefeitura esclareceu ainda que o pronunciamento do prefeito foi feito durante a abertura da conferência após constatar que a palestrante utilizou “expressões que distorcem a linguagem oficial adotada no país”. Segundo a nota, o prefeito solicitou que a apresentação fosse ajustada aos padrões da comunicação oficial da Prefeitura.>
“O evento trata do planejamento de políticas públicas que impactarão a vida da população nos próximos anos. Por isso, é fundamental que esse ambiente seja conduzido com responsabilidade e isenção ideológica”, afirmou Brunini no comunicado.>
Ele acrescentou que “todas as pessoas têm espaço garantido na gestão municipal, independentemente de raça, orientação sexual, religião ou posicionamento político”, mas ressaltou que manifestações ideológicas, “de qualquer vertente”, não devem interferir na condução técnica das políticas públicas nem na linguagem usada em atos oficiais do Executivo.>
O que é linguagem neutra?>
A linguagem neutra é uma proposta de comunicação voltada à inclusão de pessoas não-binárias, trans ou intersexo, que não se identificam com os gêneros convencionais. Termos como “todes”, “amigues” ou “elu” são usados com o intuito de tornar a linguagem mais inclusiva.>
Embora ainda não reconhecida oficialmente pela norma culta da língua portuguesa, seu uso tem se expandido em espaços acadêmicos, sociais e culturais. De acordo com a norma padrão, o gênero gramatical masculino é utilizado como forma neutra no plural — como no uso de “todos” ou “eles” para grupos mistos. Por isso, vestibulares e concursos públicos que exigem a norma culta não aceitam o uso da linguagem neutra.>
Apesar disso, linguistas afirmam que o uso da linguagem neutra não é “errado” do ponto de vista comunicativo e pode vir a ser oficializado futuramente, caso haja consenso social e normativo sobre sua adoção.>