Feminicídio passa a ter punição máxima na Itália com nova legislação penal

Nova legislação entra em vigor nesta quarta-feira (17), endurece punições e busca corrigir brechas que permitiam penas mais brandas para assassinatos de mulheres.

Publicado em 17 de dezembro de 2025 às 10:31

Feminicídio passa a ter punição máxima na Itália com nova legislação penal
Feminicídio passa a ter punição máxima na Itália com nova legislação penal Crédito: Reprodução

A legislação penal italiana passou por uma mudança histórica nesta quarta-feira (17), com a entrada em vigor da lei que reconhece o feminicídio como crime autônomo, desvinculado do homicídio comum. A nova norma estabelece a prisão perpétua como punição máxima e obrigatória, criando um artigo específico no Código Penal para esse tipo de violência.

Até então, assassinatos de mulheres motivados por questões de gênero eram enquadrados como homicídio, o que permitia interpretações diversas e, em alguns casos, penas inferiores à gravidade do crime. Situações envolvendo ex-companheiros, por exemplo, podiam resultar em condenações de até 30 anos de prisão, já que o vínculo formal entre agressor e vítima não existia mais no momento do crime.

Com a mudança, esse tipo de distinção deixa de existir. Qualquer assassinato caracterizado como feminicídio passa a ter como sanção prevista exclusivamente a prisão perpétua, sem possibilidade de redução. A medida aproxima a Itália de outros países que já tipificaram o crime, como o Brasil, que adotou a classificação em 2015 — embora com penas diferentes.

Para o juiz Valerio De Gioia, consultor da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre Feminicídio e um dos participantes diretos do debate legislativo, o objetivo central da lei é evitar respostas judiciais consideradas desproporcionais diante da violência praticada. Ele ressalta, no entanto, que o impacto imediato sobre as estatísticas pode ser limitado, já que uma parcela significativa dos autores desses crimes acaba tirando a própria vida após o ataque. Ainda assim, avalia que o endurecimento da pena envia um recado claro de intolerância institucional à violência de gênero.

Números que preocupam

Embora o número geral de homicídios na Itália venha diminuindo desde os anos 1990, os feminicídios seguem em patamares elevados, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística. No ano passado, 106 mulheres foram assassinadas, o que equivale a um caso a cada três dias. Em 2024, esse tipo de crime representou 32% de todos os homicídios registrados no país. Estudos apontam ainda que uma em cada três mulheres italianas já sofreu algum tipo de violência física ou sexual ao longo da vida.

Esse cenário tem impulsionado mobilizações frequentes nas ruas, organizadas por coletivos e entidades como a ONG Nenhuma a Menos, que ganhou protagonismo após crimes de grande repercussão. Um dos casos mais emblemáticos foi o assassinato da estudante Giulia Cecchettin, de 22 anos, morta pelo ex-namorado em 2023. A comoção nacional resultou em manifestações em diversas cidades e reforçou a pressão por mudanças legais mais severas.

Brasileiras entre as vítimas

Dados recentes do Ministério das Relações Exteriores do Brasil indicam que a Itália ocupa a terceira posição no ranking de países com mais registros de violência de gênero contra brasileiras, com 153 ocorrências contabilizadas em 2024. Apenas Estados Unidos e Bolívia aparecem à frente.

Nos últimos anos, casos envolvendo brasileiras também chamaram atenção da opinião pública italiana. Em Milão, Sueli Barbosa, de 48 anos, morreu ao tentar escapar de um incêndio provocado dentro do próprio apartamento; o companheiro é acusado de ter iniciado o fogo e impedido sua saída. Já no norte do país, Jessica Stapazzolo, de 33 anos, foi assassinada a facada pelo ex-namorado, também brasileiro.

Ambos os suspeitos estão presos e respondem judicialmente, mas serão julgados segundo a legislação anterior, já que os crimes ocorreram antes da nova lei entrar em vigor.