'Falhamos em limitar aquecimento e planeta ruma ao 'abismo'', diz chefe da ONU

A COP30 terá o desafio de unir os países contra a crise climática, em um cenário de guerras comerciais e conflitos bélicos, como a da Ucrânia e a da Faixa de Gaza.

Publicado em 23 de outubro de 2025 às 12:44

Secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Antonio Guterres.
Secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Antonio Guterres. Crédito: Agência Brasil

Não foi surpresa para quem acompanha os sucessivos recordes de temperatura, mas agora o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Antonio Guterres, admitiu. “Não conseguiremos conter o aquecimento global abaixo de 1,5 °C nos próximos anos."

  • Esse aumento é medido em relação à era pré-industrial (até metade do século 19), quando a humanidade acelerou a queima de combustíveis fósseis e encheu a atmosfera de efeito estufa.
  • Limitar a alta de temperatura do planeta a este patamar até o fim do século era uma das metas mais ambiciosas do Acordo de Paris, pacto climático firmado por quase 200 nações em 2015. Uma década depois, os eventos climáticos extremos - como tempestades e ondas de calor - são cada vez mais frequentes e intensos.

A declaração é dada às vésperas da Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-30), que será realizada em Belém, em novembro. É a primeira conferência sediada na Amazônia, em um momento de fragilização dos organizamos multilaterais.

Muitos climatologistas concordam que o teto de 1,5ºc será provavelmente alcançado antes do fim da década, uma vez que o planeta consome cada vez mais petróleo, gás e carvão. O clima já está, em média, 1,4 °C mais quente do que antes, segundo o Observatório Europeu Copernicus.

A fala de Guterres não deve ser interpretada como sinalização para desmobilizar esforços, mas o contrário. Especialistas apontam que o aquecimento global é uma realidade e é preciso acelerar a adaptação climática e a transição energética.

Como objetivo menos ambicioso, o Acordo de Paris estipula que os países devem ficar abaixo dos 2 °C até 2100. Especialistas, porém, dizem que os efeitos do aquecimento global serão cada vez mais desastrosos enquanto nos aproximamos dessa faixa.

Guterres declarou que as metas climáticas propostas pelos países para reduzir as emissões de carbono estão longe de alcançar o objetivo de 1,5 °C e que uma ultrapassagem terá consequências “devastadoras”. Não são previstas sanções para os países que descumprem esses compromissos (chamados de NDCs), que são voluntários.

A ONU está avaliando esses planos — muitos dos quais ainda não foram apresentados — que estabelecem metas de redução de emissões de carbono para 2035 e detalham os meios para alcançá-las. Guterres notou que os compromissos que cobrem 70% das emissões globais permitiriam apenas uma redução da poluição por carbono de cerca de 10% até 2035.

O Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre as Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU enfatiza que as emissões devem diminuir 60% até 2035, ante os níveis de 2019, para ter boa chance de limitar o aquecimento a 1,5 °C (ou ultrapassá-lo de forma limitada).

“A ciência nos diz que é necessária uma ambição muito maior”, afirmou Guterres. Ele também fez um apelo para que os países cheguem na COP-30 a um plano de US$ 1,3 trilhão de financiamento climático até 2035 para os países em desenvolvimento, para evitar prejuízos maiores.

“O Brasil será devastado se o aquecimento global sair do controle”, afirmou ao Estadão em agosto o biólogo Philip Fearnside. Ele, que vive na Amazônia, ganhou um Nobel da Paz em 2007 junto com outros cientistas pelos esforços contra a crise climática.

As previsões dos especialistas é de risco de colapso da floresta, com alterações bruscas em nosso regime de chuvas e consequências negativas para o agronegócio. Também devem aumentar as catástrofes ambientais, como a inundação recorde que devastou o Rio Grande do Sul em 2024.

A COP-30 terá o desafio de unir os países contra a crise climática, em um cenário de guerras comerciais e conflitos bélicos, como a da Ucrânia e a da Faixa de Gaza.

Pesa negativamente ainda a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris. Donald Trump, que voltou à Casa Branca, ridicularizou a ciência climática na Assembleia Geral da ONU no mês passado: “o maior embuste jamais perpetrado”.

A onda negacionista ganha mais entusiastas, como o argentino Javier Milei, que também cogita abandonar o Acordo de Paris. Guterres, por outro lado, fez um apelo para combater a desinformação climática.

“Em todo o lugar devemos lutar contra a desinformação, o assédio online e o greenwashing”, declarou o chefe da ONU. Sem a ciência e os dados climáticos “claros”, o mundo nunca teria compreendido o surgimento da “ameaça perigosa e existencial da mudança climática”, acrescentou, insistindo em que “os cientistas e pesquisadores nunca devem temer dizer a verdade”.