Publicado em 21 de novembro de 2025 às 18:31
No fim da COP30, em Belém, o chamado Pacote de Belém segue em disputa, e sob fortes críticas de organizações socioambientais. Na manhã desta sexta-feira (21), o secretariado da Convenção do Clima (UNFCCC) divulgou uma nova versão do rascunho do documento, incluindo um anexo com uma lista de indicadores para a Meta Global de Adaptação (GGA, na sigla em inglês).>
Na prática, é como se a conferência tivesse dado um passo tímido para organizar “como” os países vão se adaptar aos impactos da crise climática, mas continuasse patinando no ponto que todo mundo sabe que é o mais sensível: o fim da era dos combustíveis fósseis.>
A rede Observatório do Clima, que reúne dezenas de organizações da sociedade civil, viu alguns avanços, mas não poupou críticas. Em nota, o grupo diz que os textos seguem “desequilibrados” e que não podem ser aceitos como resultado final da COP30. Um dos pontos mais duros é a ausência, em todos os 13 rascunhos publicados, da expressão que virou palavra de ordem entre vários países: “transição para longe dos combustíveis fósseis”.>
Segundo o Observatório, isso contraria a determinação anunciada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva — apoiada por 82 países — de que o Pacote de Belém deveria entregar justamente um roteiro claro para essa transição. O problema é que o tal “roteiro” simplesmente não apareceu.>
Pressão dos petroleiros e enxame de lobistas fósseis>
O sumiço dos caminhos para abandonar o petróleo, o gás e o carvão, tanto no Pacote de Belém quanto no Programa de Trabalho de Transição Justa (JTWP), não é visto como coincidência. Organizações apontam o dedo para o peso da indústria fóssil dentro da COP30.>
Este ano, 1.602 lobistas vinculados ao setor de combustíveis fósseis foram credenciados para a conferência – o maior número proporcional já registrado. Para o Observatório do Clima, a pressão surtiu efeito:>
“Os roteiros (roadmaps) para combustíveis fósseis e desmatamento sucumbiram à pressão de alguns países petroleiros”, afirma a rede.>
Na prática, o que deveria ser uma bússola para dizer como e quando o mundo vai reduzir e eliminar o uso de petróleo, gás e carvão virou um tema empurrado para debaixo do tapete.>
Metas de emissões travadas e resposta lenta à emergência>
Outro ponto sensível é a revisão das metas nacionais de emissões (as NDCs), que deveriam ser ajustadas para que o mundo ainda tenha alguma chance de limitar o aquecimento global a 1,5°C.>
A nova versão do Pacote de Belém também não avançou nisso. Em vez de um plano claro para reduzir a chamada “lacuna de ambição”, o que surgiu foi a proposta de um relatório a ser produzido em três anos — sem garantia de desdobramentos concretos.>
Para países insulares que já veem seu território sendo engolido pelo aumento do nível do mar, esse tipo de resposta é praticamente sinônimo de abandono.>
Pontos positivos: transição justa no papel e indicadores de adaptação>
Nem tudo, porém, é retrocesso. As organizações reconhecem pontos positivos, como:>
Para Mauricio Voivodic, diretor executivo do WWF-Brasil, o novo Programa de Trabalho de Transição Justa ainda falha ao não tocar de frente na eliminação dos combustíveis fósseis e do desmatamento, mas acerta ao incluir a consulta prévia, livre e informada nos territórios de povos tradicionais.>
Ele destaca que o texto menciona direitos territoriais de povos indígenas e outros elementos essenciais para combater a crise climática. É um ponto de conexão entre justiça climática e justiça social — ainda que não resolva o buraco deixado pela falta de metas claras para o setor fóssil.>
Adaptação: 59 indicadores e um caminho de Belém até Addis Abeba>
No tema da adaptação, a leitura é um pouco mais otimista. Daniel Porcel, do Instituto Talanoa, avalia que o anexo com 59 indicadores da Meta Global de Adaptação representa avanço, principalmente por deixar explícito que o financiamento público internacional deve sair dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento.>
Além disso, foi criado um novo processo: o “de Belém até Addis”, uma referência ao caminho entre a COP30 e a COP32, que será na Etiópia. Esse processo deve alinhar políticas de adaptação e trazer salvaguardas para a implementação dos indicadores.>
O problema é que, embora se fale em triplicar os recursos para adaptação, não há qualquer definição de como isso vai ser feito, de onde vem o dinheiro ou quem paga a conta.>
Benjamin Abraham, também do Instituto Talanoa, defende que um pacote financeiro robusto é essencial para destravar ambição em outras áreas da negociação.>
Segundo ele, o compromisso com o financiamento futuro para adaptação ainda é vago, o roteiro entre Baku e Belém não se materializou e o trabalho de realinhar os fluxos financeiros globais ainda não mostrou resultados concretos.>
Belém no centro, mas decisões ainda no meio do caminho>
Com o Pacote de Belém em disputa, a sensação é de que a COP30 está tentando costurar um acordo que fala de adaptação, transição justa e financiamento — mas deixa de lado a pergunta incômoda: quando o mundo vai, de fato, virar a página dos combustíveis fósseis e do desmatamento em larga escala?>
Belém pode ter virado o centro das conversas sobre clima, mas, por enquanto, parte das decisões que importam para o futuro do planeta segue estacionada no rascunho.>