No Pacote de Belém, adaptação avança, mas combustíveis fósseis seguem como tabu na COP30

Organizações sociais veem avanço em adaptação no Pacote de Belém, mas criticam silêncio da COP30 sobre saída dos combustíveis fósseis e metas de emissões.

Publicado em 21 de novembro de 2025 às 18:31

No Pacote de Belém, adaptação avança, mas combustíveis fósseis seguem como tabu na COP30
No Pacote de Belém, adaptação avança, mas combustíveis fósseis seguem como tabu na COP30 Crédito: Bruno Peres/Agência Brasil

No fim da COP30, em Belém, o chamado Pacote de Belém segue em disputa, e sob fortes críticas de organizações socioambientais. Na manhã desta sexta-feira (21), o secretariado da Convenção do Clima (UNFCCC) divulgou uma nova versão do rascunho do documento, incluindo um anexo com uma lista de indicadores para a Meta Global de Adaptação (GGA, na sigla em inglês).

Na prática, é como se a conferência tivesse dado um passo tímido para organizar “como” os países vão se adaptar aos impactos da crise climática, mas continuasse patinando no ponto que todo mundo sabe que é o mais sensível: o fim da era dos combustíveis fósseis.

A rede Observatório do Clima, que reúne dezenas de organizações da sociedade civil, viu alguns avanços, mas não poupou críticas. Em nota, o grupo diz que os textos seguem “desequilibrados” e que não podem ser aceitos como resultado final da COP30. Um dos pontos mais duros é a ausência, em todos os 13 rascunhos publicados, da expressão que virou palavra de ordem entre vários países: “transição para longe dos combustíveis fósseis”.

Segundo o Observatório, isso contraria a determinação anunciada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva — apoiada por 82 países — de que o Pacote de Belém deveria entregar justamente um roteiro claro para essa transição. O problema é que o tal “roteiro” simplesmente não apareceu.

Pressão dos petroleiros e enxame de lobistas fósseis

O sumiço dos caminhos para abandonar o petróleo, o gás e o carvão, tanto no Pacote de Belém quanto no Programa de Trabalho de Transição Justa (JTWP), não é visto como coincidência. Organizações apontam o dedo para o peso da indústria fóssil dentro da COP30.

Este ano, 1.602 lobistas vinculados ao setor de combustíveis fósseis foram credenciados para a conferência – o maior número proporcional já registrado. Para o Observatório do Clima, a pressão surtiu efeito:

“Os roteiros (roadmaps) para combustíveis fósseis e desmatamento sucumbiram à pressão de alguns países petroleiros”, afirma a rede.

Na prática, o que deveria ser uma bússola para dizer como e quando o mundo vai reduzir e eliminar o uso de petróleo, gás e carvão virou um tema empurrado para debaixo do tapete.

Metas de emissões travadas e resposta lenta à emergência

Outro ponto sensível é a revisão das metas nacionais de emissões (as NDCs), que deveriam ser ajustadas para que o mundo ainda tenha alguma chance de limitar o aquecimento global a 1,5°C.

A nova versão do Pacote de Belém também não avançou nisso. Em vez de um plano claro para reduzir a chamada “lacuna de ambição”, o que surgiu foi a proposta de um relatório a ser produzido em três anos — sem garantia de desdobramentos concretos.

Para países insulares que já veem seu território sendo engolido pelo aumento do nível do mar, esse tipo de resposta é praticamente sinônimo de abandono.

Pontos positivos: transição justa no papel e indicadores de adaptação

Nem tudo, porém, é retrocesso. As organizações reconhecem pontos positivos, como:

  • a decisão de criar um mecanismo de transição justa;

  • a adoção de uma lista de indicadores para a Meta Global de Adaptação;

  • e a referência à triplicação do financiamento para medidas de adaptação.

Para Mauricio Voivodic, diretor executivo do WWF-Brasil, o novo Programa de Trabalho de Transição Justa ainda falha ao não tocar de frente na eliminação dos combustíveis fósseis e do desmatamento, mas acerta ao incluir a consulta prévia, livre e informada nos territórios de povos tradicionais.

Ele destaca que o texto menciona direitos territoriais de povos indígenas e outros elementos essenciais para combater a crise climática. É um ponto de conexão entre justiça climática e justiça social — ainda que não resolva o buraco deixado pela falta de metas claras para o setor fóssil.

Adaptação: 59 indicadores e um caminho de Belém até Addis Abeba

No tema da adaptação, a leitura é um pouco mais otimista. Daniel Porcel, do Instituto Talanoa, avalia que o anexo com 59 indicadores da Meta Global de Adaptação representa avanço, principalmente por deixar explícito que o financiamento público internacional deve sair dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento.

Além disso, foi criado um novo processo: o “de Belém até Addis”, uma referência ao caminho entre a COP30 e a COP32, que será na Etiópia. Esse processo deve alinhar políticas de adaptação e trazer salvaguardas para a implementação dos indicadores.

O problema é que, embora se fale em triplicar os recursos para adaptação, não há qualquer definição de como isso vai ser feito, de onde vem o dinheiro ou quem paga a conta.

Benjamin Abraham, também do Instituto Talanoa, defende que um pacote financeiro robusto é essencial para destravar ambição em outras áreas da negociação.

Segundo ele, o compromisso com o financiamento futuro para adaptação ainda é vago, o roteiro entre Baku e Belém não se materializou e o trabalho de realinhar os fluxos financeiros globais ainda não mostrou resultados concretos.

Belém no centro, mas decisões ainda no meio do caminho

Com o Pacote de Belém em disputa, a sensação é de que a COP30 está tentando costurar um acordo que fala de adaptação, transição justa e financiamento — mas deixa de lado a pergunta incômoda: quando o mundo vai, de fato, virar a página dos combustíveis fósseis e do desmatamento em larga escala?

Belém pode ter virado o centro das conversas sobre clima, mas, por enquanto, parte das decisões que importam para o futuro do planeta segue estacionada no rascunho.