Publicado em 17 de setembro de 2025 às 09:20
O desafio de restaurar florestas tropicais no Brasil vai muito além do plantio de mudas. A questão central está no custo elevado dos projetos, que ainda esbarra em fontes de financiamento pouco consolidadas. O mercado de créditos de carbono e o pagamento por serviços ecossistêmicos, por exemplo, têm potencial, mas ainda caminham lentamente. Nesse cenário, pesquisadores apontam uma alternativa promissora: a exploração de produtos florestais não madeireiros, capazes de gerar renda sem derrubar árvores e de financiar a restauração no médio prazo.>
Um estudo publicado na revista Ambio e conduzido por cientistas da Universidade de São Paulo (USP) revela que 59% das espécies analisadas em áreas da Mata Atlântica possuem algum potencial bioeconômico. A pesquisa foi realizada no Vale do Paraíba do Sul, região que abrange os estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, e contou com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).>
O levantamento identificou 329 espécies, das quais 283 são nativas. Entre elas, 167 apresentam usos potenciais: 58% na área médica, 12% em cosméticos e 5% na alimentação. Espécies como a araucária (Araucaria angustifolia) e a juçara (Euterpe edulis), já conhecidas pela produção de pinhão e açaí-juçara, se destacam pelo número de estudos e aplicações.>
Segundo o pesquisador Pedro Medrado Krainovic, do Instituto de Estudos Avançados (IEA-USP), o grande diferencial do manejo de produtos não madeireiros é que ele preserva a floresta em pé, ao utilizar folhas, frutos, sementes e galhos. “Esse tipo de exploração é sustentável e gera retornos em prazos menores, ao contrário do manejo madeireiro, que exige ciclos longos para ser economicamente viável”, explica.>
Inovação com potencial de mercado>
Os dados chamam atenção também no campo da inovação. Entre as espécies estudadas, 78 possuem patentes registradas em 61 países, o que corresponde a 46,7% do total. Contudo, apenas 8% dessas patentes foram depositadas no Brasil, o que mostra o enorme espaço para investimentos em pesquisa e desenvolvimento.>
Para Krainovic, esse quadro revela duas oportunidades. A primeira é aproveitar espécies já patenteadas e que têm mercado consolidado para gerar renda imediata. A segunda, ainda mais estratégica, é explorar o potencial oculto de plantas que ainda não receberam atenção da indústria, o que pode levar à descoberta de novas moléculas para a medicina, a cosmética e a alimentação.>
O manejo sustentável de produtos não madeireiros pode funcionar como um alívio financeiro para projetos de restauração. Enquanto espécies de alto valor madeireiro levam décadas para atingir o ponto de corte, a exploração de frutos, óleos, sementes e outros insumos gera receitas contínuas, criando um ciclo de autofinanciamento.>
Além disso, em áreas de preservação permanente — como margens de rios e encostas íngremes — a extração de madeira é proibida pelo Código Florestal. Nessas regiões, o manejo de baixo impacto pode transformar projetos de reflorestamento em iniciativas economicamente viáveis, que conciliam conservação e geração de renda.>
Os pesquisadores lembram que a restauração florestal não tem como objetivo final apenas o retorno econômico, mas a recomposição dos serviços ecossistêmicos essenciais, como a proteção do solo, o sequestro de carbono, a provisão de água e a polinização. Nesse sentido, tornar o processo atrativo para produtores rurais é também uma forma de garantir que a restauração aconteça em escala.>
Geração de empregos e inclusão social>
O impacto econômico da restauração com espécies nativas vai além da renda direta. Estudos anteriores já mostraram que, se o Brasil cumprir a meta assumida no Acordo de Paris de restaurar 12 milhões de hectares até 2030, será possível gerar até 2,5 milhões de empregos. Boa parte dessas vagas não exige qualificação, o que amplia a oportunidade de inclusão social em áreas rurais.>
No entanto, os pesquisadores fazem um alerta: sem regulação e planos de manejo bem estruturados, a exploração pode levar à superexploração de espécies. O exemplo clássico é o do pau-rosa (Aniba rosaeodora), árvore amazônica que entrou em colapso após décadas de extração intensiva para a indústria de perfumes.>
Políticas públicas, como compras governamentais e certificações, podem ajudar a criar mercados sustentáveis para esses produtos. Além disso, a integração de bancos de dados científicos e mercadológicos, como os utilizados no estudo, pode orientar futuros projetos de restauração não apenas na Mata Atlântica, mas também em outros biomas brasileiros.>
Para espécies raras, mas de alto potencial econômico, o plantio direcionado em projetos de restauração pode ser uma solução estratégica. Já as espécies abundantes e de fácil manejo podem ser alvo de mais pesquisas para ampliar sua aplicação comercial.>
O estudo mostra que pensar em florestas apenas como áreas de preservação é insuficiente. Elas podem ser vistas como espaços multifuncionais, onde valores ecológicos e econômicos se somam. Essa perspectiva tem o poder de transformar a restauração de um custo elevado em uma oportunidade de desenvolvimento sustentável.>