Publicado em 9 de novembro de 2025 às 10:54
O assunto que dominou as conversas durante a Cúpula dos Líderes da COP30, em Belém, não foi apenas o clima, mas também o preço da comida. As refeições vendidas dentro da Blue Zone, área principal do evento, despertaram críticas nas redes sociais e entre visitantes. Mas, por trás dos valores considerados altos, há uma estrutura complexa que ajuda a entender o custo de cada prato.>
De acordo com informações obtidas pelo Roma News, ao analisar o edital da Organização de Estados Ibero-americanos (OEI), da COP30, manter um quiosque de alimentação dentro da COP30 pode custar mais de R$ 40 mil, mesmo em operações pequenas. O aluguel do espaço é de US$ 280 por metro quadrado durante 15 dias de evento. Com o dólar a R$ 5,40, um quiosque de 15 metros quadrados sai por cerca de R$ 22.680.>
Além do aluguel, há gastos com equipe, materiais sustentáveis e obrigações contratuais. A diária de um atendente varia de R$ 350 a R$ 3.300, dependendo da função e da fluência em outros idiomas. Em média, um quiosque investe R$ 15 mil apenas em pessoal. Todos os utensílios devem ser biodegradáveis, o que encarece itens simples, como copos que custam R$ 0,60 cada.>
Contradição central: preços acessíveis, mas com custos inacessíveis>
O edital do evento determina que os serviços de alimentação devem ser oferecidos “no caráter comercial e a preços acessíveis”. No entanto, o mesmo documento impõe uma série de obrigações financeiras e logísticas que tornam essa meta difícil de alcançar.>
Todos os cardápios e preços precisam ser aprovados previamente pela organização, o que significa que os valores em vigor foram oficialmente validados antes da abertura do evento. Ao mesmo tempo, os operadores são obrigados a repassar parte do faturamento bruto para a Organização de Estados Ibero-americanos (OEI) e para a Secretaria Extraordinária da COP (SECOP).>
O modelo de licitação foi baseado no critério de Melhor Técnica e Menor Preço, com o chamado Índice de Retorno (IR). Quanto maior o percentual de repasse oferecido à organização, maior a pontuação da proposta. Na prática, isso pressionou os operadores a ofertarem valores mais altos ao público para equilibrar as margens.>
Custos fixos e prazos curtos>
Os expositores também precisaram arcar com um custo de padronização de espaço, fixado em US$ 280 por metro quadrado na Blue Zone e US$ 250 na Green Zone. Esse valor cobre o “aparelhamento padrão”, que inclui estrutura elétrica, equipamentos e fornos, mas deve ser amortizado em menos de 30 dias, o período de operação oficial entre 3 e 28 de novembro.>
Com prazos curtos e custos altos, a conta final ficou pesada. Os alimentos não necessariamente precisam chegar completamente prontos ao local de venda. Em vez disso, é exigido que o serviço de alimentação inclua a finalização e/ou a montagem (preparo) no próprio local da operação, em conformidade com rigorosas normas de segurança alimentar. O abastecimento só pode ocorrer entre 22h e 5h, em horário restrito. Qualquer descumprimento de cardápio ou irregularidade pode gerar multa de até 3% sobre o faturamento, e a inexecução total do contrato pode resultar em penalidade de até 15% do valor total.>
Sustentabilidade que encarece a operação>
As exigências ambientais, pilar da COP30, também pesam no orçamento. O edital obriga os operadores a garantir que pelo menos 20% dos insumos venham da agricultura familiar ou da sociobiodiversidade, o que eleva o custo de compra e logística.>
Além disso, todos os utensílios devem ser compostáveis certificados, proibindo o uso de plástico ou isopor. Os cardápios precisam priorizar refeições à base de plantas, incentivar a redução de carne vermelha e evitar o uso de alimentos ultraprocessados.>
As equipes devem incluir atendentes bilíngues e manipuladores treinados em segurança alimentar, o que aumenta a folha de pagamento e a complexidade da operação.>
Riscos e penalidades elevam o preço final>
Os contratos também transferem a quase totalidade dos riscos para os operadores. Cada empresa é integralmente responsável por danos à saúde de terceiros, incluindo despesas médicas, indenizações e até eventuais óbitos decorrentes de contaminação alimentar. Por isso, todos são obrigados a contratar seguro de responsabilidade civil contra terceiros, mais um custo fixo na conta.>
O descumprimento de obrigações pode resultar em multas que variam de 0,1% a 3% sobre o faturamento. Com tantas exigências, os operadores precisam precificar os produtos para garantir uma margem que cubra essas possíveis contingências, o que inevitavelmente afeta o consumidor final.>
Expositores defendem os preços e dizem que seguem padrão internacional>
Após a polêmica dos valores, as empresas responsáveis pelos restaurantes e quiosques da Blue Zone divulgaram uma nota pública explicando os critérios adotados na formação dos preços. Segundo elas, todas as propostas passaram por análise técnica e financeira e foram validadas pela SECOP antes da formalização dos contratos.>
As empresas afirmam que os valores estão “compatíveis e até abaixo” dos praticados em edições anteriores da COP, e que todos os cardápios e preços foram previamente avaliados e aprovados pela organização.>
Os expositores reforçam que o evento impõe custos extraordinários, como o repasse de receita para a OEI, a compra emergencial de equipamentos, a restrição de abastecimento noturno e a necessidade de mão de obra bilíngue.>
Em nota, o grupo destacou que segue comprometido com o consumo consciente, a economia circular e o fortalecimento das cadeias produtivas tradicionais, valorizando ingredientes da agricultura familiar e técnicas culinárias regionais.>
“Seguimos comprometidos com o uso de produtos orgânicos, com a economia circular e com a preservação das técnicas culinárias ancestrais, oferecendo uma alimentação saudável e representativa para todos os participantes da COP”, diz o comunicado, assinado por Ponto de Cultura Alimentar Iacitatá, Consórcio CAM, Pastíssimo, Delícias Quilombola, Govinda Restaurante, Cervejaria Araguaia, Nanay Café, Coffee Lovers e Santé Saudável.>
O retrato de uma polêmica global em escala local>
A discussão sobre os preços praticados na COP30 escancara a contradição entre o ideal e o operacional. Enquanto o discurso oficial prega alimentação acessível e sustentável, a estrutura econômica do evento impõe custos altos, prazos curtos e exigências rigorosas.>
O resultado é um impasse: de um lado, consumidores surpresos com os valores; do outro, operadores tentando equilibrar sustentabilidade, segurança alimentar e viabilidade financeira. No fim, a polêmica da comida durante a Cúpula dos Líderes sintetiza o próprio desafio da COP30, o de transformar boas intenções ambientais em modelos sustentáveis também, na prática.>