Indústria paraense reúne propostas para uma economia de baixo carbono

As diretrizes também representam a contribuição da indústria amazônica para o documento que reúne propostas, experiências e soluções do setor produtivo para a agenda climática.

Publicado em 13 de outubro de 2025 às 15:07

As recomendações foram reunidas em documento lançado pela indústria amazônica na Semana do Clima de Nova York
As recomendações foram reunidas em documento lançado pela indústria amazônica na Semana do Clima de Nova York Crédito: Divulgação

Dez proposições para uma nova agenda ambiental, social e econômica na Amazônia brasileira, formuladas por 180 profissionais em comitês técnicos especializados. Essas são as “Diretrizes para uma Indústria de Baixo Carbono”, resultado do trabalho realizado nos comitês da Jornada COP+, movimento multissetorial liderado pela Federação das Indústrias do Estado do Pará (FIEPA). As recomendações foram reunidas em documento lançado pela indústria amazônica na Semana do Clima de Nova York, em setembro, e entregue a autoridades como o embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30.

As diretrizes também representam a contribuição da indústria amazônica para o documento Legados da Sustainable Business COP30 (SB COP), iniciativa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), e que reúne propostas, experiências e soluções do setor produtivo para a agenda climática.

“Quando falamos de descarbonização, estamos nos referindo à diminuição das emissões ou à substituição de combustíveis fósseis por alternativas mais sustentáveis. Esse documento apresenta possíveis caminhos para que a indústria consiga realizar a descarbonização, e adotar uma economia de baixo carbono, ao mesmo tempo em que continua produzindo, gerando emprego e riqueza”, explica Deryck Martins, coordenador técnico da Jornada COP+ e presidente do Conselho Temático de Meio Ambiente e Sustentabilidade da FIEPA.

As dez diretrizes

Priorizar a biomassa sustentável

Um estudo publicado pela Revista Amazônica aponta que a biomassa representa cerca de 8,4% da matriz elétrica brasileira e 7,5% da matriz energética como um todo. Um índice que pode ser ainda maior, por isso o documento elaborado pela Jornada COP+ recomenda o aproveitamento de resíduos amazônicos, como caroço de açaí, pó de serra e cascas de castanha, para a produção de biomassa e consequente descarbonização. A diretriz aponta a necessidade de mapeamento detalhado de recursos, fortalecimento da capacidade técnica e a criação de incentivos fiscais e financeiros para essas tecnologias.

Rastreabilidade das cadeias de valor

A origem dos produtos e a adoção de práticas responsáveis e sustentáveis em todos os processos de produção têm sido uma exigência do mercado, corroborada inclusive por regulamentações, como a Lei Anti Desmatamento da União Europeia, que leva à adoção de tecnologias como blockchain. Por isso, entre as recomendações da indústria amazônica está a consolidação de um pacto multissetorial de rastreabilidade de cadeias produtivas da região, com a definição de critérios técnicos unificados, formalização de acordos setoriais e suporte especial a pequenas e médias empresas.

O coordenador técnico da Jornada COP+, Deryck Martins, explica que é necessário integrar informações sobre as cadeias produtivas, com unificação de plataformas e tecnologias. "O uso de geoprocessamento com imagens de satélite para monitorar o desmatamento e a preservação, além de plataformas estaduais e federais que fazem análise documental, como listas de desmatamento e áreas embargadas pelo Ibama, permitindo o cruzamento de informações. Também há verificação in loco, com checagem e amostragem no local, utilizando tecnologias como QR Codes ou códigos de barras integrados ao blockchain, que garante a integridade dos dados e evita adulterações. Essas técnicas asseguram a transparência e segurança em toda a cadeia produtiva”, explica.

Economia circular como eixo estruturante

Entre as recomendações está a construção de um ecossistema que favoreça a economia circular, modelo econômico que busca reintegrar os materiais ao processo produtivo, com foco na redução do uso de recursos e na recuperação ambiental. De acordo com o Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico do Ministério das Cidades, somente 1,82% dos resíduos recicláveis secos e orgânicos são recuperados no Brasil. Esse cenário gera uma perda social e econômica ao país já que, segundo a Ambipar - empresa especializada em gestão de resíduos -, investimentos em economia circular poderiam injetar R$11 bilhões por ano na economia e gerar cerca de 240 mil novos empregos até 2040.

Dessa forma, a diretriz aponta a necessidade de ampliar o letramento sobre economia circular, fortalecer a capacitação técnica na sociedade e implementar políticas estaduais, hubs de inovação e incentivos estratégicos. Para o especialista, além da criação de uma nova indústria com foco em economia circular, é necessário uma transformação nas indústrias já existentes, o que exige custos e incentivos. "Isso não é simples e envolve questões complexas, como logística reversa e manufatura reversa", explica Deryck Martins.

Sociobioeconomia mais estruturada

Manter a floresta em pé é uma das principais formas de armazenar carbono e garantir conservação ambiental. Por isso, as recomendações apontam que é necessário estruturar cadeias produtivas da sociobioeconomia de forma sustentável e competitiva. As prioridades envolvem o fortalecimento da capacitação técnica, a formalização de fornecedores, o acesso ampliado a crédito e incentivos fiscais, a criação de sistemas acessíveis de rastreabilidade e certificação, a criação de um selo social para valorizar boas práticas em pequenos empreendimentos, a promoção de pesquisa aplicada ao setor e a articulação entre setor produtivo, governos, academia e sociedade civil.

Um estudo publicado pelo WRI Brasil e desenvolvido em parceria com 76 instituições científicas de diversas regiões do país revela que investimentos nessa forma de economia podem gerar um aumento de R$ 816 milhões no Produto Interno Bruto (PIB) do estado.

Mulheres e povos tradicionais como protagonistas

A maioria da população paraense é feminina, segundo o Censo 2022 do IBGE. No Pará, os povos tradicionais, incluindo indígenas e quilombolas, representam mais de 215 mil pessoas e estão diretamente atrelados à conservação da floresta. Por isso, o documento também tem como diretriz a inclusão e a valorização de mulheres e povos tradicionais como pilares estratégicos para a descarbonização.

A diretriz defende que os saberes destes grupos são ativos fundamentais para a criação de cadeias socioprodutivas sustentáveis em áreas como biojoias, alimentos funcionais, cosméticos naturais e turismo de base comunitária. Por isso recomenda o fortalecimento de acesso a crédito, mercados e tecnologias apropriadas, bem como a conectividade digital, inclusão produtiva e participação política destes grupos. Além disso, o documento recomenda o fortalecimento de coletivos e redes comunitárias como estratégia para ampliar representatividade nas agendas de desenvolvimento sustentável da Amazônia.

Atração de investimentos verdes

A transição para um modelo de desenvolvimento mais equilibrado e justo só é possível com investimento. Por isso, entre as diretrizes, está a atração de investimentos sustentáveis, o que passa pela qualificação de projetos, estruturação de instrumentos financeiros adaptados à realidade amazônica e desenvolvimento de banco de oportunidades de negócios sustentáveis com estratégias ativas de captação.

Maior infraestrutura digital e inclusão

A promoção de transformação digital sustentável também está entre as recomendações, com a articulação de soluções tecnológicas de impacto positivo nos setores produtivos, diagnóstico de deficiências digitais da indústria, desenvolvimento e adaptação de soluções e ampliação da sustentabilidade digital.

Investimentos em infraestrutura

O documento entende que a infraestrutura é um vetor de desenvolvimento territorial e integração regional, desde que respeite a diversidade do território e suas especificidades logísticas. Por isso, a recomendação é a valorização de modais alternativos e complementares como hidrovias e ferrovias definidos a partir de critérios técnicos, econômicos e ambientais, além da elaboração de um plano logístico de longo prazo, capaz de orientar decisões públicas e privadas e assegurar maior previsibilidade ao setor. São prioridades a criação de mecanismos de governança interinstitucional, a implantação do Observatório de Infraestrutura e Logística, o fortalecimento da base técnico-científica com estudos de viabilidade, além da criação de um selo verde para projetos de infraestrutura sustentáveis.

Para Edane Acioli, especialista em gestão de projetos sustentáveis, e Coordenadora de Projetos da AMABIO, o investimento em infraestrutura regional é crucial para o combate às desigualdades. “Ele conecta comunidades isoladas aos mercados, reduz custos de produção e logística para negócios locais, atrai novos investimentos e melhora o acesso a serviços essenciais como saúde e educação. Ao priorizar regiões menos desenvolvidas, essa estratégia distribui oportunidades, gera empregos formais e integra o país economicamente, transformando potencial subutilizado em riqueza real e compartilhada”.

Fortalecer a reputação da Amazônia

O documento defende que a Amazônia precisa se apresentar ao mundo de forma unida e consistente, combatendo estigmas e narrativas distorcidas. Para isso, propõe a criação de novas narrativas que valorizem saberes e inovações, a mobilização social e uma comunicação que traduza dados e agendas políticas em mensagens acessíveis e influentes; além de formações, criação de redes de comunicadores, campanhas colaborativas e parcerias estratégicas.

Capacitar e engajar o setor produtivo

A transição para uma economia de baixo carbono só é possível com o aprimoramento do setor produtivo, por isso, o documento também recomenda: o diagnóstico de necessidades do setor, o desenvolvimento de programas de capacitação, a disseminação de boas práticas, o fortalecimento de parcerias estratégicas e a articulação de políticas públicas por meio de uma coalizão de governança climática.

Para Edane, o engajamento do setor privado para uma economia de baixo carbono passa pela regulação clara, incentivos econômicos, demanda do mercado e transparência. “As melhores práticas para engajar o setor privado são estabelecer marcos legais e metas progressivas que deem segurança para investimentos de longo prazo, criar linhas de crédito verde, desonerações fiscais e leilões de energia renovável para tornar a sustentabilidade financeiramente vantajosa, estimular a rastreabilidade de cadeias e a preferência por produtos sustentáveis, pressionando as empresas a se adaptarem; além da adoção de critérios ESG que exponham riscos climáticos e valorize empresas líderes”, explica a especialista.

Soluções sustentáveis - Nessa perspectiva, a proposta de descarbonização da indústria amazônica também passa pelo reconhecimento de soluções sustentáveis que podem ser replicadas por outras empresas. Iniciativas e projetos voltados à sustentabilidade puderam se inscrever no Edital de Cases da Jornada COP+. Foram 76 soluções inscritas e que integrarão a Vitrine de Cases da Indústria Sustentável. Os melhores projetos serão apresentados no Fórum de Excelência, evento que ocorrerá em novembro, em Belém, de forma paralela à COP30. As soluções contemplam iniciativas de responsabilidade social e desenvolvimento sustentável, economia circular e gestão de resíduos sólidos, energias renováveis, eficiência energética, entre outras. Os setores que se destacaram foram a mineração e a siderurgia.